PELO CLIMA

Pastores se unem contra ataques de Bolsonaro ao meio ambiente

Embora tenham votado em Bolsonaro, maioria dos evangélicos discorda da agenda de devastação ambiental do governo federal

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Paulo Veras

Publicado em 15/07/2021 às 10:25 | Atualizado em 15/07/2021 às 10:25
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No momento em que o presidente Jair Bolsonaro tenta se aproximar da população evangélica, um de seus eleitorados mais fiéis, um grupo de pastores defensores do meio ambiente se uniu para combater, dentro do segmento, as pautas do governo federal permissivas com a degradação da natureza. Pesquisa realizada pela Ideia Big Data a pedido da Coalizão Evangélicos pelo Clima mostrou que 77% deles gostaria que suas igrejas apoiassem atividades ambientais.

"O que a gente precisa fazer é trazer o debate e a reflexão sobre a relação de Deus com a sua criação para os púlpitos da igreja. Nós atuamos junto a igrejas locais em grupos de estudo; em grupos práticos, colocando a mão na terra mesmo; e até no monitoramento de políticas públicas", afirma o pastor e ecoteólogo pernambucano Josias Vieira.

No Nordeste, através do movimento Nós na Criação, a coalizão tem trabalhado na defesa do povo indígena Truká, em Cabrobó, no Sertão pernambucano, que atuou para retirar um templo cristão construído sem autorização dentro do seu território. Em Maceió, no estado vizinho de Alagoas, o grupo também está envolvido no apoio às vítimas do afundamento de bairros, possivelmente ocasionado pela exploração da Braskem na cidade.

Nacionalmente, a coalizão tem atuado para mobilizar os evangélicos contra o PL 490/2007, que muda a demarcação de terras indígenas; o PL 984/2019, que libera a construção de uma rodovia dentro do Parque Nacional do Iguaçu; e o PL 2633/2020, que trata da regularização fundiária de terras da União.

"Projetos de lei como o 490 tem por objetivo não uma relação de coexistência harmônica com o território, mas uma relação de exploração. Quando eu mato aquilo que Deus criou, eu estou cometendo um pecado contra a criação de Deus", argumenta Vieira.

Segundo o pastor, um dos objetivos do movimento é incentivar o pensamento crítico entre os fiéis. Ele diz que a bancada evangélica diz representar esse segmento, mas, na verdade, representa interesses próprios e observa as igrejas como uma espécie de curral eleitoral. "Há uma intencionalidade para que a crítica não seja exercitada nas pessoas. Porque pessoas que não pensam criticamente são mais fáceis de manipular", ele alerta.

O contraponto não parece fácil. Na pesquisa, metade dos entrevistados disse ter votado em Bolsonaro na última eleição. Apenas um quinto apoiou Fernando Haddad (PT). Além disso, mesmo hoje, 22% dos evangélicos avaliam a política ambiental do governo como ótima ou boa. O número é similar aos 25% que a enxergam como ruim ou péssima.

Mas o levantamento também mostra que temas defendidos pelo governo enfrentam expressiva resistência entre os evangélicos. Os fiéis discordam de armar proprietários de terra na Amazônia (42%); da substituição de fiscais ambientais por militares (46%); de que o Ibama tenha uma fiscalização menos rígida do desmatamento (66%); do fim das multas ambientais (71%); e da extinção das reservas legais de proteção ambiental (70%).

Por isso a aposta é no trabalho de formiguinha, principalmente em pequenas igrejas, onde a informação não chega de forma qualificada. "Para nós, Deus se manifesta no que ele criou. E quando a gente cria uma coexistência harmônica com a natureza, nós estamos fazendo uma ligação com Deus. Não só no culto fechando o olho e orando. Mas, às vezes, lutando pelas terras indígenas", diz Vieira.

Devastação é vista como pecado

Frases da Bíblia que argumentam em favor da vida e do conhecimento vão se somar a trechos de recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e de centros de pesquisa como a Fiocruz e o Instituto Butantan em uma cartilha em defesa da vacinação contra a covid-19 que a coalizão produziu para distribuir entre os fiéis. A ideia é que o documento ajude a mostrar que Deus quer que o seu povo fique vivo e trabalhe pela sua igreja.

"Um sem número de fake news têm sendo distribuídas dizendo que a vacina carrega o chip da besta. E muitas pessoas evangélicas têm fugido da vacina por causa dessas desinformações", diz Josias Vieira.

Essa é apenas uma das estratégias de comunicação que o grupo tem abordado para tentar sensibilizar os evangélicos da atuação em defesa da pauta ambiental. Nas redes sociais, os projetos de lei em tramitação no Congresso que ameaçam a preservação ambiental são apresentados como um pecado contra a santidade criadora de Deus. A palavra, carregada de sentido para os religiosos, ajuda a pôr o tema sob outra perspectiva.

"Entre os dez mandamentos, está ali não matarás. E quando eu pego um correntão, como acontece muito no Centro-Oeste brasileiro, engancho ele em dois tratores e saio arrastando tudo o que é árvore, matando tudo o que é bicho, para desmatar uma área, eu não posso acreditar que uma pessoa que faz um negócio desse conhece a Deus. O apóstolo João vai dizer que quem conhece a Deus lida com amor. Nesse processo do correntão, eu destruo toda uma diversidade ecológica, abiótica, tudo o que estava vivo ali, para substituir com algo que me dá dinheiro", afirma o pastor.

O objetivo é, portanto, que as pessoas associem a proteção do meio ambiente à própria fé. "Quando a gente usa o termo pecado, que é um termo muito caro para o povo evangélico, a gente faz uma ligação com algo que eles já aprenderam sobre a criação. Quando a gente faz essa ligação, a gente mostra mais facilmente que essas coisas são ruins", explica o ecoteólogo.

Há espaço para isso. Segundo o levantamento da Ideia Big Data, 85% dos evangélicos acreditam que é um pecado o ser humano atacar o meio ambiente. Mas 60% dos entrevistados não têm acesso à informações sobre a preservação do meio ambiente nas suas igrejas.

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