CPI da Covid

Fabricante indica fraude na negociação da Covaxin

A compra bilionária da vacina indiana Covaxin ganhou um novo capítulo, com a suspeita de fraude em documentos que constavam no contrato de compra do imunizante pelo governo Bolsonaro

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Estadão Conteúdo

Publicado em 24/07/2021 às 10:09
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A compra bilionária da vacina indiana Covaxin, alvo central das investigações que a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid realiza sobre a gestão do general Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde, ganhou um novo capítulo, com a suspeita de fraude em documentos que constavam no contrato de compra do imunizante pelo governo Bolsonaro.
Nessa sexta-feira (23), a farmacêutica indiana Bharat Biotech, que produz a Covaxin, acrescentou novos elementos às suspeitas que envolvem a negociação. Em comunicado, a empresa informou que rescindiu seu acordo com a Precisa Medicamentos, que a representava no Brasil, e afirmou ainda que não assinou duas cartas que fazem parte do processo administrativo de compra do imunizante e que foram enviadas ao Ministério da Saúde. Os documentos, que trazem logotipo, carimbo e assinatura de representante da Bharat, já tinham sido incluídos no material enviado pela pasta à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, no Senado.
 
Em 25 de fevereiro, o Ministério da Saúde fechou contrato de compra com a Precisa, que representava a Bharat, para aquisição de 20 milhões de doses da vacina. O contrato foi suspenso pelo Ministério da Saúde em 29 de junho, após recomendação da Controladoria-Geral da União (CGU). A aquisição passou a ser alvo de múltiplas investigações, por suspeita de irregularidades e corrupção. Além da CPI da Covid, a contratação é investigada pela Polícia Federal (PF), Ministério Público Federal (MPF) e Tribunal de Contas da União (TCU).
As cartas entregues pela Precisa Medicamentos ao Ministério da Saúde têm fortes indícios de 'colagem' e manipulação de imagem. De forma simples, a reportagem identificou que, por trás de ambas as cartas, existe um mesmo documento: um pedido de visto para um representante da Precisa, identificado como Eduardo Sanchez.
A reportagem identificou que, nas duas cartas há três arquivos, uns colados aos outros. Os primeiros arquivos das camadas mais externas são as cartas negadas pela Bharat. Em seguida, há elementos em branco. No fundo, há um papel timbrado com o pedido de visto.
Da maneira como o arquivo está estruturado, os elementos em branco cobrem o conteúdo do pedido de visto. Sobram apenas o logotipo da Bharat Biotech e a assinatura com o carimbo da farmacêutica, que são visíveis nas cartas entregues pela Precisa ao Ministério da Saúde. Em uma das cartas, o carimbo da Bharat foi "apagado" por um elemento em branco. E substituído por outro, idêntico, um pouco mais acima.
As duas cartas apresentadas pela Precisa são datadas de 19 de fevereiro. Uma delas seria uma autorização de plenos poderes para a Precisa. A empresa brasileira seria a "representante legal e exclusiva no Brasil com poder de receber todas as notificações do Governo".
O documento com indícios de colagem foi revelado pela rádio CBN e confirmado pelo Estadão. A reportagem conversou com o presidente da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF), Marcos Camargo. Na avaliação dele, uma perícia criminal "seria capaz de dizer exatamente o que ocorreu e como ocorreu".
"Aparentemente, tem-se uma possibilidade de adulteração no documento, ao aproveitar imagem de assinatura e carimbo de outro documento, e fraude, ao manipular o conteúdo do documento, substituindo um texto por outro", disse ao Estadão.
No comunicado, a Bharat diz que "enfaticamente, que esses documentos não foram expedidos pela companhia ou por seus executivos e, portanto, negamos veementemente os mesmos".
Em documento enviado ao senador Omar Aziz, presidente da CPI da Covid, os advogadas da Precisa afirmaram que a empresa não produziu as cartas. Segundo a defesa, os documentos lhe foram enviados pela Envixia Pharmaceuticals LLC, empresa que consta do memorando de entendimentos fechado com a Bharat em novembro do ano passado.
Nas negociações sobre o imunizante, o Ministério da Saúde se comprometeu a pagar US$ 15 por dose, a vacina mais cara adquirida pelo País até o momento. A Anvisa ainda não autorizou o uso emergencial ou definitivo do imunizante.
A CPI já identificou 21 irregularidades no processo da Precisa e, até o momento, não se tem conhecimento sobre o contrato que havia entre a Barath com a representante no Brasil. Esse é um dos documentos que a própria CPI tentar encontrar.
Em seu comunicado, a Bharat afirma que, em 24 de novembro do ano passado, celebrou um memorando de entendimento com a Precisa e com a empresa Envixia Pharmaceuticals LLC para fornecimento da Covaxin, mas que "rescindiu o memorando de entendimento com efeito imediato".
A Bharat reafirmou que o preço da vacina é de US$ 15. Um documento interno do Ministério da Saúde registrou que, em reunião com a Precisa e a Bharat, em 20 de novembro do ano passado, o valor mencionado da dose era de US$ 10. O documento foi revelado pelo Estadão em 3 de julho. "Informa-se, ainda, que a empresa não recebeu adiantamento nem forneceu vacinas ao Ministério da Saúde do Brasil", afirmou a empresa.
Procurada, a Precisa Medicamentos disse lamentar o "cancelamento do memorando de entendimento" que viabilizou a parceria com a Bharat Biotech. "A decisão, precipitada, infelizmente prejudica o esforço nacional para vencer uma doença que já ceifou mais de 500 mil vidas no país e é ainda mais lastimável porque é consequência direta do caos político que se tornou o debate sobre a pandemia, que deveria ter como foco a saúde pública, e não interesses políticos", informou a empresa.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
 

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