Crise entre os poderes

Saiba tudo sobre o pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moraes feito pelo presidente Bolsonaro

A solicitação de impedimento foi feita no mesmo dia em que a Polícia Federal cumpriu mandados de busca e apreensão contra apoiadores do presidente - como o cantor Sérgio Reis e o deputado Otoni de Paula (PSC-RJ)

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AFP, Estadão Conteúdo

Publicado em 21/08/2021 às 19:34 | Atualizado em 21/08/2021 às 20:33
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Na última sexta-feira (20), o presidente Jair Boslonaro (sem partido) enviou ao Senado um pedido de impeachment do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. A solicitação foi feita no mesmo dia em que a Polícia Federal cumpriu mandados de busca e apreensão contra apoiadores do presidente - como o cantor Sérgio Reis e o deputado Otoni de Paula (PSC-RJ) -, atendendo a uma determinação do ministro do STF.

O texto foi protocolado digitalmente pela Presidência diretamente no gabinete do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e é assinado apenas por Bolsonaro. Pacheco, porém, reiterou ontem a disposição de não acatar o pedido. “Não antevejo fundamentos para impeachment de ministro do Supremo como também não antevejo em relação ao impeachment do presidente da República”, disse Pacheco em entrevista a jornalistas na capital paulista.

O presidente do Senado também disse que mantém diálogo com Bolsonaro, apesar da investida do chefe do Planalto. O senador não deixou de fazer críticas, declarando que o Congresso dará “pronta e qualquer resposta a quem queira sacrificar a democracia brasileira”. Ele declarou que vai analisar os critérios técnicos e políticos para decidir sobre o pedido e tomará uma decisão “com firmeza e absoluto respeito à democracia”. “Não vamos nos render a nenhum tipo de investida que seja para desunir o Brasil. Nós vamos buscar convergir o País, contem comigo para essa união, e não para essa divisão”, cravou o parlamentar.

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O presidente disse que o pedido de impeachment contra Moraes não seria uma “revanche”, mas reclamou de estar sendo investigado pelo Supremo no que chamou de “inquérito do fim do mundo”. “Eu fiz tudo dentro das quatro linhas da Constituição. Engraçado, quando eu entro com uma ação no Senado fundada na Constituição, o mundo cai na minha cabeça. Quando uma pessoa, com um inquérito do fim do mundo, me bota lá, ninguém fala nada. Não é revanche, cada um tem que saber o seu lugar. Só podemos viver em paz e harmonia se cada um respeitar o próximo e saber que existe um limite, que é a nossa Constituição”, afirmou Bolsonaro, em Eldorado (SP), onde visita a mãe.

Hoje, o chefe do Executivo federal também anunciou que vai apresentar o pedido de impeachment do ministro do STF Luís Roberto Barroso “nos próximos dias”. “Priorizamos esse pedido do senhor Alexandre de Moraes e nos próximos dias ultimaremos o segundo pedido”, disse Bolsonaro.

Entre os motivos apontados pelo presidente, está o contra-ataque ao inquérito das fake news, tocado por Moraes e que investiga Bolsonaro por ataques ao sistema eleitoral. Segundo o militar da reserva, a investigação do Supremo nasceu de forma irregular, sem a participação do Ministério Público. “Tudo começou errado lá atrás. Ou seguimos as leis, ou cada um começa a interpretar da maneira que melhor interessa”, disse.

Com as críticas, Bolsonaro voltou a falar da possibilidade velada de uma ruptura institucional. “Não podemos, ao ser (sic) atacados e tendo o poder de usar uma caneta para contra-atacar, usá-la. Temos que ter tranquilidade, caso contrário o Brasil pode mergulhar em uma situação que ninguém quer. Já disse que sei das consequências internas e externas de uma ruptura. Não quero isso. Não provoco e não desejo”, afirmou o presidente.

Segundo Bolsonaro, o pedido de impeachment contra Moraes foi motivado pela suposta falta de compromisso do ministro “com as liberdades individuais”. “Mínimo que a gente espera dele é respeitar o que falou na sabatina no Senado e respeitar a Constituição”, disse. Na mesma ocasião, o presidente fez ataques à CPI da Covid no Senado. Para ele, se o relatório da comissão chegar às suas mãos, ele coloca “numa latrina e dá descarga”. “Não acharam nada contra a minha pessoa”, disse. “Não posso ser acusado de corrupção”, completou.

Repercussão

Em resposta a Bolsonaro, o Supremo divulgou na noite de ontem uma dura nota, condenando a ofensiva do Palácio do Planalto. No texto, referendado por todos os ministros, o STF diz repudiar “o ato do Excelentíssimo Senhor Presidente da República, de oferecer denúncia contra um de seus integrantes por conta de decisões” em inquérito chancelado pelo plenário da Corte. “O Estado Democrático de Direito não tolera que um magistrado seja acusado por suas decisões, uma vez que devem ser questionadas nas vias recursais próprias, obedecido o devido processo legal’, diz a nota do STF.

No Supremo, os ministros trabalhavam para retomar o diálogo com o Planalto após apelos de Pacheco e do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira. Na última segunda-feira, por exemplo, o presidente da Corte, Luiz Fux, abriu a sessão de julgamento com um aceno à pacificação.

No início do mês, ele tinha anunciado o cancelamento da reunião entre os três poderes, alegando que Bolsonaro não estaria disposto a conversar. O magistrado afirmou que os ataques contra Moraes e Barroso também atingiam os demais ministros da Corte. “Apesar do cancelamento da reunião, o diálogo entre os Poderes nunca foi interrompido. Como presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), eu sigo dialogando com os representantes de todos os Poderes. Em relação a uma nova reunião, a questão será reavaliada”, disse Fux, naquela ocasião.

A escalada da crise começou com a polêmica do voto impresso porque Bolsonaro sempre achou que Barroso interferiu para derrubar a proposta na Câmara. Além disso, o presidente é alvo de vários inquéritos no STF, entre eles o das fake news, que também investiga aliados do presidente e um de seus filhos, o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ).

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) emitiu nota em que expressa preocupação com o pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moraes. “A convivência entre os Poderes exige aproximação e cooperação, atuando cada um nos limites de sua competência, obedecidos os preceitos estabelecidos em nossa Carta Magna”, afirma a nota do tribunal.

As maiores e mais influentes entidades representativas da magistratura no País, a Associação dos Magistrados Brasileiros e a Associação dos Juízes Federais do Brasil, saíram em defesa do ministro Alexandre de Moraes, classificando o pedido de impeachment do magistrado como um “ataque frontal à independência e à harmonia entre os Poderes”.

“Temos a certeza de que as instituições - em especial, o Senado Federal - saberão reagir a toda e qualquer tentativa de rompimento do Estado de Direito e da ordem democrática”, ressaltaram as entidades em nota divulgada neste sábado (21). No texto, a AMB e a Ajufe dizem que as decisões judiciais devem ser contestadas no âmbito do próprio Judiciário e “jamais por meio de instrumentos políticos”.

As entidades frisaram que os despachos dados por Alexandre de Moraes estão relacionados a “sua independência funcional”, um “valor constitucional instituído como proteção da sociedade”. A nota é assinada pelos presidentes das associações, Renata Gil e Eduardo André Brandão, respectivamente.

Também neste sábado, dez ex-ministros da Justiça dos governos Fernando Henrique Cardoso (PSDB), Lula (PT), Dilma Roussef (PT) e Michel Temer (MDB) enviaram um manifesto ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), defendendo que ele rejeite o pedido de impeachment de Alexandre de Moraes. Os ex-ministros classificam o pedido apresentado por Bolsonaro como “mero capricho” do presidente que, na avaliação deles, segue “roteiro de outros autocratas ao redor do mundo”. Eles alertam ainda para o risco do Senado Federal se transformar em um “instrumento de perseguição pessoal” de Bolsonaro caso aceite o pedido.

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