Eleições 2022

Vistas como coadjuvantes, mulheres na política são reduzidas a vices ideiais

Depoimento de Luiza Trajano e pré-candidatura de Simone Tebet reforçam desafios das mulheres na política brasileira

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Cadastrado por

Renata Monteiro

Publicado em 16/12/2021 às 7:35 | Atualizado em 16/12/2021 às 13:41
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De quantas formas é possível minar a presença feminina em espaços políticos? E quando a mulher já ocupa esse terreno, quais as maneiras de silenciá-la, de evitar que ela ascenda e se destaque nesse meio? Quem está atento ao dia a dia da política brasileira não precisa sequer pensar muito para encontrar boas respostas para essas perguntas, algumas bem frescas na memória. E não, não estamos falando (necessariamente) de atos de violência física contra mulheres inseridas em espaços políticos, mas de agressões praticadas muitas vezes de forma “sutil” e sistemática que, ainda em 2021, alcançam até mesmo uma das principais congressistas do País.

Durante recente participação em um seminário no Supremo Tribunal Federal (STF), Luiza Trajano, dona do Magazine Luiza, chamou atenção para o fato de que muitas mulheres são procuradas por partidos políticos em períodos pré-eleitorais, mas sempre para ser vice de algum homem. A empresária, que já foi cortejada para a disputa mas diz que não pretende concorrer, foi apontada como uma das 100 mulheres mais influentes do mundo pela revista Time, está entre as 25 mais influentes do mundo em 2021 pelo Financial Times e tem relevante atuação nas áreas social e do empreendedorismo.

Diferentemente da mega-empresária, a senadora Simone Tebet (MDB) parece determinada a trabalhar duro para chegar ao Palácio do Planalto. A congressista, que antes de chegar à Câmara Alta foi professora universitária, deputada estadual, prefeita de Três Lagoas (MS) e vice-governadora, teve sua pré-candidatura a presidente referendada na última semana pelos emedebistas, mas grande parte da cobertura política da novidade sequer a considerou um player real, mas apenas uma peça partidária para uma composição futura do MDB com outras legendas, onde ela pode, talvez, ocupar o posto de candidata a vice-presidente.

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Quando questionada sobre essa possibilidade, Tebet tem sido dura ao rechaçar o cenário. “Eu não tenho plano B. O MDB não tem plano B, pelo menos não comigo”, disparou, em entrevista à Globo News.

Segundo Luciana Santana, cientista política da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), diversos fatores podem explicar situações como a vivida pela senadora Simone Tebet. “Para começar, a própria cultura política do País pouco valoriza a representação feminina. Nós também estamos inseridas em uma sociedade muito machista, em que a divisão do trabalho ainda é muito desigual e a mulher tem muita concentração de trabalho doméstico, o que a impede de se dedicar a outras atividades, como a política”, observou.

“Podemos citar também os baixos incentivos à participação da mulher nessa área e o fato de que o ambiente político é muito permeado por homens que tomam as decisões, então dificilmente essa maioria masculina terá uma compreensão no sentido de considerar a mulher como um ator necessário nos espaços de decisão”, completou a pesquisadora.

Vereadora mais votada do Recife em 2020, Dani Portela (PSOL) lembra que apesar de esbarrarem em todo tipo de barreiras subjetivas quando se propõem a entrar na vida pública, as mulheres brasileiras muitas vezes precisam transpor até mesmo obstáculos físicos para não desistir dos seus objetivos. “Nós vivemos em uma sociedade patriarcal, onde o machismo é sistêmico e perpassa todas as relações. Desde lá atrás a pólis, a política, a cidade, o parlamento foram ocupados por homens, em sua maioria brancos e de famílias privilegiadas. Às mulheres sempre foi relegado o papel do cuidado, do espaço privado, doméstico e elas sequer podiam falar em público. As barreiras foram construídas ao longo do processo histórico, são reforçadas e chegam a outros obstáculos, inclusive físicos. O primeiro banheiro feminino construído no plenário do Senado Federal, por exemplo, é de 2016. Na Câmara de Vereadores do Recife a estrutura também foi construída no mesmo ano, após um requerimento de Marília Arraes (PT). Há quem diga que isso é só um detalhe, só um banheiro, mas não, isso é um não-lugar. Quando se nega um banheiro a uma mulher eleita, você está dizendo que ela não é bem-vinda naquele espaço”, detalhou a parlamentar.

Há quase 17 anos exercendo mandatos no Legislativo pernambucano e recifense, a deputada estadual Priscila Krause (DEM), assim como Simone Tebet, também já foi muitas vezes alçada à condição de “vice ideal”. Sobre o caso da senadora emedebista, Priscila diz que chega a se irritar com o modo como muitos têm lidado com a pré-candidatura da parlamentar sul-mato grossense e que é notória a tentativa do uso da imagem dela para turbinar uma chapa em 2022, sem, contudo, dar a ela o papel de protagonista.

“Se levarmos em consideração as análises feitas desde o lançamento da pré-candidatura da senadora, a impressão que dá é que ela estava se colocando como candidata a vice de qualquer pessoa. É como se ninguém estivesse levando a sério uma movimentação política referendada por um partido relevante, de uma das senadoras mais respeitadas e de maior envergadura política do País. Chega a ser irônico, a presença da mulher em uma chapa suaviza a imagem negativa da política, traz credibilidade, mas ela não é protagonista. Isso é muito cômodo. É como se dessem um pouco de poder para elas se contentarem com esse espaço para não avançar mais”, argumentou Priscila.

Para se ter uma ideia da defasagem da representação política feminina no Brasil, apesar de representarem 53% do eleitorado do País, desde 1933, quando conquistaram o direito de serem eleitas, apenas 266 mulheres ocuparam cadeiras na Câmara dos Deputados. Em contrapartida, nos últimos 195 anos, 7.333 homens passaram pela Casa Baixa.

Apesar de todos esses problemas, ao longo dos últimos anos algumas ações afirmativas têm sido implementadas no Brasil para garantir uma maior participação feminina nos espaços de poder, como o estabelecimento de uma cota de gênero de 30% em eleições proporcionais. “As instituições mudam não por uma ruptura paradigmática, isso dificilmente acontece. Essas mudanças são sempre um processo e há vários elementos normativos envolvidos nisso, é necessário mexer na regra do jogo. O papel que essas normas têm é garantir a mudança de um comportamento para você ir ganhando a adesão das pessoas. Mas não é simplesmente você estabelecer o que deve ser feito, os mecanismos punitivos precisam funcionar”, explicou Priscila Lapa, doutora em ciência política e professora universitária.

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