PF faz buscas na casa de Bolsonaro e prende seu ex-ajudante de ordem

Segundo a PF, seis suspeitos ao todo presos agiram para inserir dados falsos sobre imunização no sistema entre novembro de 2021 e dezembro de 2022
Estadão Conteúdo
Publicado em 03/05/2023 às 21:14
Polícia Federal realizou Operação Venire, que teve como alvo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) por suspeita de adulteração em seu cartão de vacina Foto: WILTON JUNIOR/Estadão Conteúdo


A Polícia Federal cumpriu mandado de busca e apreensão na casa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), em Brasília, e prendeu o tenente-coronel Mauro Cid, seu ex-ajudante de ordens, além de outras cinco pessoas em uma operação sobre fraudes em certificados de vacinação contra a covid-19 no sistema do Ministério da Saúde. Segundo a PF, os suspeitos agiram para inserir dados falsos sobre imunização no sistema entre novembro de 2021 e dezembro de 2022.

A suspeita é de que as informações cadastradas tenham sido fraudadas para emitir certificados de vacinação em nome de pessoas que não foram efetivamente imunizadas. O objetivo, conforme o inquérito, seria burlar a exigência do comprovante de vacinação para viagens internacionais, driblando restrições sanitárias impostas pelo Brasil e pelos Estados Unidos em meio à pandemia.

Batizada de Venire, a operação foi determinada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, relator do inquérito das milícias digitais, que embasou a ofensiva da PF.

Os investigadores afirmam que os certificados de vacinação de Bolsonaro e da filha dele, Laura, de 12 anos, teriam sido adulterados às vésperas das viagens da família aos EUA, em dezembro do ano passado, após a derrota eleitoral.

As fraudes teriam sido operadas a partir da prefeitura de Duque de Caxias (RJ), com a ajuda de uma servidora municipal e de políticos locais. Segundo a PF, os dados falsos foram incluídos no sistema integrado do Ministério da Saúde e, depois que os certificados de vacinação foram gerados por meio do aplicativo ConecteSUS, as informações foram excluídas para não deixar "rastros".

Em relatório a Moraes, a PF apontou Mauro Cid como principal articulador do esquema. Antes da suposta fraude na caderneta de vacinação de Bolsonaro, ele teria tentado falsificar o comprovante de vacinação da própria mulher, Gabriela Santiago Ribeiro Cid, por meio da Secretaria de Saúde de Goiás, em novembro de 2021.

O certificado aponta que ela recebeu duas doses da vacina na cidade de Cabeceiras, mas não há registros de que Gabriela tenha comparecido na Unidade Básica de Saúde (UBS) para ser imunizada. O objetivo seria viabilizar uma viagem aos Estados Unidos.

Bolsonaro tinha "plena ciência" da fraude

Para os investigadores, Bolsonaro tinha "plena ciência" da fraude em sua carteira de vacinação. Ao autorizar a ação, Moraes considerou "plausível, lógica e robusta" a hipótese da PF de que o ex-chefe do Executivo, "de maneira velada", procurou "eventuais vantagens advindas da imunização, especialmente considerado o fato de não ter conseguido a reeleição nas eleições 2022".

"A apuração indica que o objetivo do grupo seria manter coeso o elemento identitário em relação a suas pautas ideológicas - no caso, sustentar o discurso voltado a ataques à vacinação contra a covid-19", afirmou a PF ao comunicar a operação.

Além de Cid, mais dois assessores de Bolsonaro foram presos ontem: Max Guilherme e Sergio Cordeiro. Os outros mandados de prisão atingiram o secretário de Governo de Duque de Caxias (RJ), João Carlos Brecha, o sargento Luís Marcos dos Reis e o advogado Ailton Gonçalves Moraes Barros - que foi candidato a deputado estadual no Rio pelo PL em 2022. Todos foram alvo de prisão preventiva (sem prazo determinado de duração).

Os investigadores suspeitam da falsificação de dados dos cartões de vacinação do ex-presidente, de Laura, de Mauro Cid, da mulher e da filha do coronel e ainda do documento do deputado Gutemberg Reis (MDB-RJ).

Entre os crimes apurados estão o de infração de medida sanitária preventiva, associação criminosa, inserção de dados falsos em sistemas de informação e corrupção de menores.

Somadas, as penas previstas para tais delitos podem chegar a 21 anos de prisão. O crime com punição mais dura é o de inserção de dados falsos em sistemas de informação, que prevê de dois a 12 anos de reclusão

Celular e passaporte de Bolsonaro devem ser apreendidos

Os agentes federais estiveram na residência de Bolsonaro no início da manhã. Foi apreendido o telefone celular do ex-presidente. Moraes mandou apreender também o passaporte e armas - os itens não foram localizados na operação de buscas.

Tanto o ex-chefe do Executivo como os aliados foram instados a prestar depoimento à PF. Bolsonaro havia sido intimado para ser ouvido na PF às 10h. O ex-presidente não compareceu no horário marcado.

A operação vasculhou, ao todo, 16 endereços em Brasília e no Rio. Os investigadores fizeram buscas também na casa de Gutemberg Reis, em Duque de Caxias, e no apartamento funcional e em seu gabinete em Brasília. A PF apreendeu o celular pessoal do parlamentar.

A chefe da Central de Vacinas de Duque de Caxias, Cláudia Helena Acosta Rodrigues da Silva, é apontada pela PF como a responsável por excluir as informações sobre as aplicações de duas doses de vacina contra covid-19 em Bolsonaro do sistema da Rede Nacional de Dados em Saúde e trazer à tona as inconsistências sobre as supostas imunizações dele e de Laura, no município.

De acordo com as investigações, o ex-chefe do Executivo e a adolescente não compareceram à cidade da Baixada Fluminense, governada pelo clã da família do ex-prefeito Washington Reis (irmão de Gutemberg), no mesmo dia e local indicado pelo ConectSUS. Bolsonaro nega ter se vacinado (mais informações na pág. A8).

CGU já investigava inserção de dados falsos

A Controladoria-Geral da União já investigava se houve inserção de dados falsos no cartão de vacinação de Bolsonaro nos sistemas do Ministério da Saúde. O órgão chegou a derrubar o sigilo do documento, em razão de "interesse público geral e preponderante", mas as informações só serão divulgadas após o encerramento da apuração sobre a inserção de dados falsos.

O ex-presidente impôs sigilo de um século sobre o seu cartão de vacinação e alegou privacidade. Durante a pandemia, ele questionou a eficácia da vacina inúmeras vezes e desestimulou a imunização da população.

Segundo a PF, o nome da operação (Venire) tem relação com o "princípio Venire contra factum proprium", princípio-base do Direito Civil e do Direito Internacional, "que veda comportamentos contraditórios de uma pessoa".

Alvo de buscas, Gutemberg Reis disse que "colaborou integralmente com os agentes da Polícia Federal". Em nota, o deputado afirmou que "recebeu todas as doses da vacina, incentivou, por meio das redes sociais, a imunização da população e colocou sua carteira de vacinação à disposição".

Os outros investigados citados não se manifestaram ou não foram localizados.

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