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O Recife e a condescendência com os seus prefeitos

Mapa da Desigualdade colocou a capital pernambucana em penúltimo lugar

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TEREZINHA NUNES Do BlogDellas Especial para o JC

Publicado em 31/03/2024 às 13:14
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Em artigo publicado no Blogdellas em 2023 com o título "Recife e o gosto por Prefeitos", o ex-prefeito de Petrolina, Júlio Lóssio, que se mudou para esta capital aos 14 anos e daqui só saiu depois de formado em Medicina, constatou que o Recife, nos últimos quarenta anos, teve prefeitos muito bem avaliados, alguns recordistas nacionais, mas concluiu : "com raras exceções, não vejo a cidade avançar. É clara a deteriorização do transporte público, a educação e a saúde deixam a desejar. O caos provocado pelas chuvas parece não ter mudado nada nesses anos. As calçadas são de péssima qualidade, nos sinais de trânsito crianças se acumulam pedindo esmola, o risco de ser assaltado cresceu, os grandes engarrafamentos evidenciam um trânsito caótico". E pergunta no final "o que a população tem avaliado efetivamente sobre os seus prefeitos? O certo é que o recifense parece gostar de prefeito. Seja ele qual for".

Estaria exagerando? É possível que sim mas ele parecia estar prevendo o que o Instituto Cidades Sustentáveis (ICS) deixou patente esta semana quando divulgou o Mapa da Desigualdade entre as capitais brasileiras e o Recife ficou em penúltimo lugar, só perdendo para Porto Velho, capital de Rondônia.

No ranking, segundo o ICS, foram medidos, entre outros, o déficit de saneamento básico - apenas 32% dos recifenses são servidos por rede de esgoto – o percentual de habitantes sem instrução ou com ensino fundamental incompleto, o rendimento per capita de R$ 9,4 por dia, o alto nível de desemprego, o número de homicídios sobretudo de grupos vulneráveis, o fato da cidade estar em 16.o lugar entre as capitais na cobertura de vacinas e entre as cinco piores em doenças relacionadas ao saneamento ambiental.

Como constatou o jornalista Fernando Castilho em matéria sobre o assunto neste JC, dos 17 objetivos do Desenvolvimento Sustentável, que compõem o Mapa da Desigualdade, o Recife ficou entre as cinco piores posições em 11 deles. Diante desse quadro, os pontos positivos medidos pelo levantamento como, entre outros, a cobertura de energia elétrica em 99% das residências e o fato da cidade ser o 7.o melhor polo cultural brasileiro, não foram suficientes para evitar que a o Recife chegasse ao ponto em que chegou.

A Prefeitura pôs em dúvida o resultado do trabalho informando que a metodologia usada no estudo foi criada pelo próprio Instituto que elaborou o Mapa e explicando que o índice GINI aponta que de 2012 até agora a desigualdade no Recife foi reduzida e que, segundo o IBGE, em 2022, o município teve uma queda de 4% na desigualdade de renda. Independente de queda ou não da desigualdade, o Mapa preocupa por Recife ser uma das menores capitais do país, o que obriga grande parte da população carente da Região Metropolitana a buscar abrigo em cidades como Jaboatão, Olinda e Paulista, por exemplo, de orçamento bem inferior ao da capital.

Comparando o orçamento de Jaboatão para este ano (R$ 2,3 bi) e de Olinda (R$ 1 bi) com o do Recife (R$ 8,2 bi) dá para imaginar como devem estar os moradores de Olinda e Jaboatão. Dividindo os orçamentos dos três municípios pelo número de habitantes, Olinda conta com R$ 2.800,00 por habitante anualmente, Jaboatão com R$ 3.600,00 e Recife com R$ 5.500,00.

É errado culpar o atual prefeito pela situação da capital. Como se não bastasse a pandemia, os problemas do Recife são seculares e, como lembrou Júlio Lóssio, há décadas que não são verdadeiramente enfrentados, apesar dos prefeitos baterem recorde de popularidade. Além da falta de recursos haveria mesmo uma condescendência exagerada e falta de cobranças. Nunca é demais lembrar que os prefeitos costumam contar com bancadas expressivas na Câmara de Vereadores onde a oposição é mínima.

No momento, como o PSB informou esta semana, o prefeito João Campos tem o apoio de 31 dos 39 vereadores. Não foi diferente com Jarbas Vasconcelos, Joaquim Francisco, Roberto Magalhães, João Paulo, João da Costa ( este perdeu popularidade por conta das brigas do PT)e Geraldo Júlio.

As cobranças só acontecem em ano eleitoral e no exíguo tempo da propaganda gratuita e dos debates. No mais, os administradores vivem no céu de brigadeiro, sem nenhuma nuvem a ameaçá-los no horizonte.

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