Desde a última terça-feira (14), a Câmara Municipal do Recife, que conta com 39 vereadores em sua composição, está pagando o salário de 41 parlamentares.
Isso porque a suplente Aline Mariano (PSB) assumiu o mandato após sua colega de partido, a vereadora Andreza Romero (PSB), pedir licença de 180 dias, ou seja, seis meses, para tratamento de saúde.
O afastamento de Romero é um direito dos parlamentares, garantido pelo regimento interno da Casa. Além dela, outro vereador do PSB também está de licença por questões de saúde desde abril: Wilton Brito. Em seu lugar, assumiu Rinaldo Júnior (PSB).
Segundo as regras, um vereador pode pedir licença em três casos:
- tratamento de saúde ou licença-maternidade/paternidade;
- missões temporárias de caráter cultural ou de interesse do município; e
- para interesse particular, por prazo determinado que não ultrapasse 120 dias.
De acordo com a Câmara do Recife, o parlamentar licenciado continua recebendo o salário normalmente durante o período em que estiver afastado, se a licença não tiver sido para tratar de interesse particular. Neste caso, não há remuneração.
Desta maneira, tanto Andreza Romero quanto Wilton Brito continuam recebendo um salário de R$ 18.980 por mês.
No entanto, apesar de alegarem questões de saúde e a necessidade de tratamento, os vereadores mantêm agenda política, que conta com encontros com apoiadores e participações em cerimônias da prefeitura.
Desde o dia 14 de maio, dia da licença de Andreza, a reportagem vem acompanhando publicações dela e de Wilton Brito. A história, contudo, foi revelada primeiro pela Marco Zero Conteúdo.
AÇÕES DA PREFEITURA E HOMENAGEM NO TRE-PE
Afastada dos trabalhos na Câmara, Andreza Romero não deixou de realizar ações com aliados, nem diminuiu a presença nas redes sociais.
Desde que pediu licença, a parlamentar participou de ações realizadas pela Secretaria Executiva dos Direitos dos Animais (Seda) do Recife — da qual era titular até março — e se encontrou com tutores de cães e gatos.
“Mais um dia de encontros”, postou Romero em um story no Instagram nesta terça (21), uma semana após receber autorização para licença.
Além disso, na segunda-feira (20), a socialista foi ao Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco (TRE-PE), onde recebeu uma homenagem das mãos do seu pai, o desembargador Adalberto de Oliveira Melo, que preside a corte.
“Recebi das mãos do meu pai, presidente do TRE-PE, a medalha do mérito Frei Caneca”, publicou a vereadora, afirmando que, para ela, a homenagem era uma “extrema honra”.
Ao JC, a vereadora afirmou, por meio de nota, que, por orientação médica, está em tratamento psicológico, mas não explicou porque mantém atividades públicas, apesar do afastamento.
Ela disse ainda que o pedido de licença, apresentado no dia 14 de maio, se deve à necessidade de assegurar os efeitos das medicações prescritas por seus médicos.
Ademais, a vereadora conta com uma rede de apoio formada por seus familiares e amigos, que têm lhe oferecido suporte e acolhimento.
“Andreza foi mãe novamente no segundo semestre de 2023 e, desde então, buscou esse apoio à sua saúde mental. A parlamentar destaca que questionamentos sobre a saúde mental só cabem a profissionais especializados. Ademais, a vereadora conta com uma rede de apoio formada por seus familiares e amigos, que lhe têm oferecido suporte e acolhimento", diz a nota.
CERIMÔNIA COM PREFEITO E VISITAS A ELEITORES
Menos ativo nas redes sociais que a correligionária, mesmo antes da licença, o vereador Wilton Brito chegou a participar de eventos oficiais da Prefeitura do Recife após pedir afastamento do mandato.
Em uma publicação em seu perfil no Instagram no último domingo (19), Brito aparece ao lado do prefeito João Campos (PSB) durante a cerimônia de assinatura de ordem de serviço na Vila dos Milagres, no Ibura, Zona Sul da cidade, onde o vereador tem base eleitoral.
Além disso, o vereador licenciado visitou a sede do Executivo Municipal para uma reunião com o chefe de gabinete do Programa de Requalificação e Resiliência Urbana em Áreas de Vulnerabilidade Socioambiental (ProMorar Recife), João Charamba, e apoiadores.
Ele também registrou suas incursões por bairros da capital pernambucana, como Afogados, na Zona Oeste, onde visitou residências e conversou com moradores.
A reportagem tentou contato com o vereador por telefone, mas quem conversou conosco foi o chefe de gabinete do parlamentar, identificado como Maciel.
Segundo ele, Wilton Brito vem fazendo exames para a realização de uma cirurgia de hérnia umbilical. Questionado se os exames impediriam a ida do vereador às sessões na Câmara, o assessor negou. "Como também não impede a realização das reuniões e atividades com o prefeito", frisou Maciel.
Após a publicação da reportagem, o vereador entrou contato com a equipe e justificou que, durante sua licença, visitou a prefeitura apenas "umas três ou quatro vezes", apesar da orientação médica.
"Sabes como é o político. Quando a comunidade, não podemos ficar parados. Às vezes dói, mas diante de uma solicitação da comunidade, a gente tem que fazer um esforco", disse ele.
"O que eu estou sentindo não é bom. A médica disse que pode estrangular a qualquer momento, mas preciso atender quanda a comunidade pede", completou ele, justificando a licença para realização de exames, que coincidem com o horário das sessões.
CÂMARA PODE REAVALIAR LICENÇAS
Segundo o regimento interno da Câmara, o pedido de licença para tratamento de saúde será instruído por laudo da junta médica municipal, da junta médica do Estado de Pernambuco ou da junta médica particular, por solicitação da mesa diretora da Casa.
Andreza e Wilton, todavia, escolheram não usar o serviço público de saúde e apresentar um laudo concedido por médicos particulares.
Com pouca transparência, não é possível saber o motivo que levou os vereadores a precisarem de tratamento, visto que não há no site da Câmara nem nas redes sociais dos parlamentares qualquer nota ou documento sobre a razão da licença.
Diante das atividades dos parlamentares nas redes e nas ruas, a reportagem procurou a Casa para entender o motivo dos afastamentos e saber se, comprovada irregularidade nas concessões, as licenças poderiam ser revogadas.
Em resposta ao JC, a assessoria de comunicação da Casa afirmou que os atestados são resguardados por sigilo médico e que “em se constatando equívoco, a Câmara pode rever o ato de concessão da licença, revogando-a.”
Assim como a decisão de autorizar a licença, a de revogar também cabe à mesa diretora da Câmara, que é composta por sete vereadores, entre os quais, cinco são do mesmo partido de Andreza e Wilton, o PSB.