Como já vimos em algumas matérias da série CASA com artistas plásticos aqui no Social1, o lugar de morar e o lugar de trabalhar desses profissionais se confundem contundentemente, como acontece na vida de poucas pessoas. Com o pernambucano Gil Vicente não poderia ser diferente. Ao ultrapassar o muro alto da entrada de sua casa, em Boa Viagem, não fica claro para o visitante o limite entre a residência e o ateliê do artista. A sala de estar com um sofá de madeira e a cozinha quase ao lar livre entram pelo grande salão cheio de quadros, tintas e telas em branco, onde ele pinta. É alí que Gil vive, é alí que Gil trabalha.
Solteiro, aos 55 anos, Gil Vicente vive no atual endereço há 20 anos. Todos os dias, ele acorda, se veste com calça jeans, camisa de botão e tênis, e ultrapassa a porta entre os cômodos da casa e o grande salão onde fica o ateliê para começar a trabalhar. Prova de que mesmo em casa, o artista mantém os costumes padrões de quem sai para exercer sua atividade profissional.
O ambiente claro, bastante iluminado, com 2,60 m de altura, ajuda Gil a não achatar as ideias, como sugere o amigo e também artista plástico Zé Claudio. Não que ele precise disso. Ideias não faltam na cabeça do pintor.
Formado na Escolinha de Arte do Recife e nos ateliês de extensão da UFPE (1972-77), o artista tem um acervo diversificado em seu ateliê. Telas bem coloridas com formas geométricas, desenhos de pessoas em tamanho real, rostos feitos com nankin e muitas fotografias de rua. Detalhe: nada fica exposto na parede. Os quadros são todos guardados e só ficam à mostra quando algum cliente marca de visitar o espaço. E aí, o local ganha a forma que o visitante deseja ver. Engraçado, não?
Esse costume ajuda Gil Vicente a manter o ateliê sempre organizado e fácil de trabalhar. Desenhista, fotógrafo e pintor, Gil gosta de catalogar tudo. Ele tem registro de quase todas as obras que fez até hoje. E mais: encontra as palavras certas para definir cada fase e a característica, segundo ele, única de seu trabalho. "Eu sou limitado à pintura e ao desenho. Eu me convenci que nasci sem profundidade. Meu universo todo é plano, ou fotografia, ou desenho, ou pintura. Eu não consigo me relacionar com trabalho tridimensional. Eu não me proíbo de me interessar, eu simplesmente não consigo", resumiu.
E Gil vai mais além na busca de definir seu interesse e estilo artístico. "Talvez seja um modo de fugir da realidade e partir para representação da realidade, que é mais fácil. Acho também que trabalhar a terceira dimensão, que é a profundidade, nas duas dimensões é uma forma de ter recursos para usá-la na vida", filosofou, apesar de declarar que não leu mais do que um pilha de 2m de livros. "Eu me distraio lendo, cochilo", disse. E quem ganha são seus admiradores. Uma das exposições mais importantes de Gil Vicente surgiu de seus devaneios enquanto lia. O artista via imagens nos espaços entre as palavras, formava figuras e criava quadros. Suíte Safada traz uma série de pinturas feitas a partir de imagens figurativas entre as linhas dos livros. Interessantíssimo!
Atualmente, Gil Vicente não está trabalhando em nada extraordinário para o Recife. Está preparando algumas telas em nakin para expor em Belo Horizonte, em outubro. Enquanto não temos a sorte de conhecer novas ideias e novos trabalhos de Gil, vamos nos deliciando com um pouco do acervo e da intimidade do pernambucano, que versátil que só ele, consegue variar, brincar e surpreender mesmo sem sair do plano.