Milho comanda a mesa junina; veja dicas práticas para ajudar o preparo em casa

Mariane Monteiro
Publicado em 25/06/2020 às 7:30
Comidas típicas fazem parte do São João. Aprenda dicas com chefs pernambucanos para fazer em casa. Foto: Isabella Valle/Acervo JC Imagem


Nascida em uma família de oito irmãos no Engenho Saboroso em Barreiros, na Zona da Mata pernambucana, dona Verônica Melo, de 41 anos, aprendeu com a mãe, dona Maria do Carmo, o amor pelas comidas típicas do período junino. “Com 13 anos, eu já estava fazendo bolo com minha mãe. Isso marcou minha infância e, até hoje, quando me encontro com ela e com minha irmã mais velha, a gente vai para a cozinha. É muito gratificante cozinhar para a família e ver todo mundo feliz com o prato que a gente preparou”, conta a auxiliar de serviços gerais que, outrora, na ausência da carteira assinada, já recorreu à venda de comida regional para colocar o pão dentro de casa. “Hoje, cozinho sempre para a família porque gosto. A comida de milho não tem igual”, lembra Verônica, orgulhosa das memórias à beira do fogão à lenha do engenho e cravando: “canjica boa é aquela amarelinha, que cozinhou bem e soltou da penela”. 

Verônica é como tantas e tantas nordestinas que crescem na barra da saia da mãe e vão aprendendo desde pequenas as receitas de bolo de milho, canjica, mungunzá, pé-de-moleque e outras guloseimas que servem de combustível para as quadrilhas e brincadeiras em torno das fogueiras de Santo Antônio, São João e São Pedro. O cheiro marcante da culinária junina e o gosto adocicado de boa parte dos pratos, associados à sazonalidade do milho, constroem uma memória afetiva que se renova de geração em geração. Agora, em 2020, com a pandemia de Covid-19, mais do que nunca o cardápio mostra sua força: não vai ter fogueira, não vai ter quadrilha nem palhoção, mas vai ter comida de milho. 

Comida tradicional e que se manteve viva, especialmente, pela força da oralidade, de acordo com a professora de cozinha brasileira do Senac, Ângela Celeste. “Nós temos pouquíssima literatura sobre isso. Por vezes, se aprendia a receita, mas não se sabia escrever para registrar. As pessoas iam guardando o passo a passo e passando. É por isso que, até hoje, há uma tradição muito forte de se cozinhar com o olho, sem uma medição muito precisa”, lembra Ângela.

Canjica e pamonha foram algumas das receitas aprendidas por Dona Verônica Melo - Foto: Alexandre Belém/Acervo JC Imagem

A professora reforça que isto que a gente conhece, hoje, como comida típica é resultado de um longo processo histórico e da contribuição de povos de três continentes diferentes. “É uma comida miscigenada. Algumas receitas vieram de Portugal, mas as senhoras portuguesas não encontravam aqui todos os mesmos ingredientes que se tinham na Europa.  A farinha de trigo e a manteiga foram trazidas de lá, mas os produtos demoravam meses para atravessar o Oceano Atlântico. Então, os indígenas entram para contribuir com os insumos que eles já dominavam nas nossas terras e fazer substituições. O milho, por exemplo, era fortemente consumido pelos índios. Eles preparavam uma espécie de mingau, ralando o milho em pedras, que lembra bastante a canjica. Depois, também tivemos a presença dos negros, que trouxeram uma técnica culinária bastante rica, além de outros ingredientes africanos, como o amendoim e o inhame”, detalha.  

Dicas práticas para usar em casa

No mercado da gastronomia regional há mais de 30 anos, o chef César Santos, da Oficina do Sabor, em Olinda, já se acostumou a adaptar o cardápio do restaurante no mês de junho. E não vai ser diferente este ano, apesar da pandemia que impôs o fechamento de bares e restaurantes em Pernambuco “Acho que o São João é uma das festas mais completas. Tem a música, a dança, a decoração, o figurino e a comida. É uma tradição e as pessoas procuram muito. Nos outros anos, a gente já incluía no cardápio bolo Souza Leão, o pé de moleque e a pamonha de forno. Este ano, estamos aceitando encomendas e, além desses três pratos, também vamos preparar receitas de queijo coalho, caldinhos e um gratinado de charque. Vamos ter opções de porções menores porque as famílias vão comemorar em casa, com menos pessoas”, explica César, que também aprendeu a cozinhar com a mãe aos oito anos de idade. 

Chef César Santos ensina que é sempre melhor ralar ou triturar o milho do que bater no liquidificador. Foto: Marcos Pastich/Acervo JC Imagem

Renomado na culinária pernambucana, o chef compartilha gentilmente algumas dicas de preparo, para quem vai produzir as guloseimas juninas em casa. “Para a canjica e pamonha, é sempre melhor ralar ou triturar o milho do que passar no liquidificador, porque o liquidificador deixa a massa muito rala. No caso da pamonha, é legal misturar o milho maduro com o milho verde, porque ele vai te dar uma massa leve. Se usar apenas o milho maduro, a massa fica muito pesada”, explica, acrescentando: “Adoro fazer um chá com erva doce, canela e cravo para acrescentar na canjica, porque dá um sabor mais gostoso. E, para o pé de moleque, se você usar café, fica um sabor muito forte. Eu prefiro colocar mel de engenho e açúcar mascavo”, ensina. 

Cardápio garantido

Felizmente, a pandemia não atingiu a colheita do milho e 2020. De acordo com a assessoria de imprensa do Ceasa (o Centro de Abastecimento e Logística de Pernambuco), não vai faltar milho para quem quiser cozinhar neste São João. 

Até o último dia 15 de junho, mais de 10 milhões e 440 mil espigas de milho já haviam sido vendidas no centro. O número é ligeiramente menor que o mesmo período do ano passado, quando mais de 12 milhões e 600 mil espigas já haviam sido comercializadas. A mão do milho (referencial para um saco com 50 espigas) estava sendo vendida, no dia 16 de junho, entre R$ 20 e R$ 30. 

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