Walter Casagrande Júnior se despe no livro que ele lança nesta semana, chamado "Travessia - As recaídas, os amigos, os amores e as ideias que fizeram parte da trajetória da minha vida", escrito com o jornalista Gilvan Ribeiro. Desde a final da Copa de 2018, quando disse ao vivo, e emocionado, que aquela era a primeira Copa do Mundo completamente sóbrio, o ex-jogador e comentarista de futebol tem exposto seu calvário causado pela dependência química.
"Essa é a Copa mais importante da minha vida. Eu tive uma proposta quando vim para cá, quando saí do Brasil, que era chegar pela primeira vez numa Copa do Mundo sóbrio, permanecer sóbrio e voltar para a minha casa sóbrio. Então estou muito feliz", disse Casagrande, na final da Copa, para surpresa de todos e, sobretudo, de Galvão Bueno, que apresentava.
Foram 37 anos (Casagrande tem 57) usando drogas - sobretudo, cocaína, heroína e álcool. Entre os problemas advindos, lista o fim de um casamento de 20 anos e uma relação distante com os três filhos e ainda os netos.
No livro, Walter Casagrande Jr. relata, por exemplo, que teve uma overdose de cocaína e heroína injetável na frente de um dos filhos. Ao todo, foram quatro overdoses e três internações - uma delas involuntária, feito pelo filho mais velho, após um acidente de carro em 2007.
A última internação, de seis meses, em 2015, ocorreu após ele retornar ao vício: cheirou, bebeu e infartou. À época, estava em depressão, depois da morte da mãe.
O uso de drogas como antídoto para parar de sofrer também é citado quando sua irmã faleceu de um ataque de coração, em 1979. "Quando conheci a cocaína, eu parei de sofrer pela morte dela". Teria sido aí o início de tudo.
O acidente de carro em 207, pelo que Casagrande sugere, foi devido ao mal sono, à má-alimentação e em fuga de um diabo. Esse é um dos trechos mais perturbadores do livro e têm a ver com os surtos psicóticos que o comentarista de futebol passou a ter.
"Comecei a ter visões de demônios na minha casa. Via uma sombra no banheiro. Aí, eu ia pra sala, tinha cara de demônio no sofá. Eles começavam a aparecer às seis horas da tarde em ponto. Eu sentia algo me pegando, me arranhando as costas. (...) Um dia, um demônio passou andando na minha frente; com cara de gente, cabelo amarelo, de calça jeans e tudo. Eu tava muito assustado. Corri pra internet e coloquei a Bíblia falada pelo Cid Moreira. Deu uma apaziguada no ambiente."
Ao longo da vida, Casagrande esteve interessado na figura do diabo - desde a citação a Lúcifer, na Bíblia, à atmosfera diabólica que há no rock pesado. Leu e empilhou livros diversos sobre o diabo. Até que as figuras fizeram-lhe (má) companhia no auge do uso de drogas injetáveis. A primeira vez que eles lhe apareceram foi num quarto de hotel na Copa do Mundo de 2014, no Brasil.
O processo, digamos, de libertação de Casagrande dos demônios que o afligia - e que culminou no início de seu afastamento das drogas - deu-se quando, numa das fugas diabólicas, em surto psicótico, quase caiu da janela do apartamento. Segundo ele, num momento de transe, começou a rezar orações que nem sabia.
"Fui pra sala de TV e, quando olhei pra escada, vi todas aquelas sombras vindo na minha direção. Fui me afastando, encostei na parede da janela, e comecei a rezar o Pai Nosso, a única oração que eu sabia. Mas nesse instante, ouvi a voz de Lúcifer dizer assim: 'Não adianta, você não tem fé no seu Deus!'. Aí eu pensei: 'A casa caiu, agora fodeu!' E eles vindo, eles vindo... De repente, ficou tudo branco, e eu comecei a falar orações que nunca tinha ouvido na vida. Entrei em transe, dizia que Cristo vive no meu coração, que o sangue de Cristo corre nas minhas veias e concluí: 'Jesus está na minha casa, vocês vão sair, não podem me atacar porque Cristo está aqui!' E os demônios foram se afastando, até sumirem."
Essa experiência o levou a dar um testemunho na Assembleia de Deus Novo Tempo, em São Paulo, embora diga não ter religião. Essa experiência também o fez reencontrar Baby do Brasil, que ele descreve como sua "musa da juventude" e com quem já tinha se encontrado numa festa em Nova York, em 1990 - quando ele, sob efeito de cocaína, foi abordado por ela querendo compartilhar a palavra de Jesus. Por motivo óbvio, não deu certo.
O reencontro de Casagrande com Baby do Brasil aconteceu em 2016, após ele procurá-la. "Eu dei um abraço nele e o ungi com óleo. Ungi a laringe, a faringe, o nariz, todo lugar que tinha sido violentado com a cocaína. Pedi para ele repetir comigo (frases) de quebra de maldição", diz Baby no livro.
Foram mais de três meses de papo, com, no máximo, mãos dadas e beijo na bochecha. Não sentavam próximos para não cederem à tentação. Explica-se: Baby do Brasil estava sem beijar nem transar havia 18 anos, por causa da religião que professa. O beijo na boca veio numa ida a uma padaria, de madrugada. "Aí foi aquele beijo de metro, bacana pra cacete, porque era o primeiro depois de dezoito anos", ela conta.
Embora sem beijo nem sexo, o namoro incluiu madrugadas viradas com Baby do Brasil na pista de dança - segundo Casagrande, ela é capaz de ir das 22h às 5h - e ele curtindo só à base de água. A relação durou sete meses e acabou, sobretudo, pelos hábitos notívagos dela (desafiadores para uma pessoa que quer se livrar da dependência) e pela falta de sexo, que ela só faria na condição de casada sob bênçãos religiosas.
"Cara, ela não fazia sexo, ela não faz sexo. Namorei por sete meses sem sexo. Respeitei isso o tempo todo, até que não deu mais pra segurar. E, pô, eu não tava a fim de me casar."
Além de motivação própria, Walter Casagrande Júnior destaca a ajuda de acompanhantes terapêuticas para que se mantenha sóbrio. São psicólogas que o auxiliam no dia a dia; em questões próprias da dependência química e em outras que ele não consegue (ou não conseguia) lidar, como relacionamentos amorosos e assuntos de trabalho com a TV Globo. Elas também passaram a acompanhá-lo em idas a shows, teatros e até casas noturnas.
Casagrande tem dado palestras sobre o combate ao vício, presta apoio em sessões de terapia coletiva e, junto com psicólogos, que nem suas acompanhantes terapêuticas, leva dependentes químicos em tratamento para programações como jantares, shows e casas noturnas.
Seu livro é dedicado a todos os dependentes químicos: "principalmente os da Cracolândia, vítimas do descaso do poder público na recuperação deles".
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