Recife, a capital de Pernambuco, está situada no coração do Nordeste brasileiro e é um verdadeiro tesouro de diversidade cultural.
Maracatu, caboclinhos, coco-de-roda, ciranda, samba, afoxé e o mais icônico de todos: o frevo, reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade, são algumas das expressões culturais presentes nessa região vibrante.
Dentro desse rico conjunto de tradições, um elemento peculiar conquistou fama nas redes sociais como parte da cultura popular de Recife e das cidades vizinhas na Região Metropolitana: a gaia.
Exatamente como mencionado, você não leu errado. Se você pesquisar o significado da palavra, encontrará vários conceitos, incluindo o fato de que "Gaia" é o nome até de uma teoria científica.
No entanto, no Nordeste, "gaia" refere-se à pessoa que foi traída; aquele que foi enganado pelo seu parceiro ou parceira.
No Recife, em particular, as histórias de traição circulam por todos os cantos da cidade. Dizem que qualquer cidadão recifense, se ainda não foi traído, conhece alguém próximo que tem histórias de traição para contar ou simplesmente ainda não descobriu que foi "corno".
DIA DOS NAMORADOS: RECIFE É MESMO A CAPITAL DA GAIA?
Com a ampla visibilidade das páginas locais nas redes sociais, a fama da "gaia" se espalhou por todo o país.
Do anônimo ao famoso, a gaia já esteve presente na vida de alguém que vive na capital pernambucana.
A seguir, conheça algumas histórias de recifenses que foram vítimas de traição.
Lembramos são histórias reais, porém, para preservar a privacidade dos envolvidos, serão utilizados nomes fictícios.
RECIFE: A CAPITAL DA GAIA
MARIA CHUTEIRA ENGANADA
O Recife e sua Região Metropolitana são umas das poucas partes do Nordeste onde a população majoritariamente torce para times de futebol da própria capital. Aqui temos três times: Santa Cruz, Náutico e o Sport.
A história de traição de Aninha é justamente com um jogador de um desses clubes e aconteceu há quase 15 anos.
Bento era atleta das categorias de base da equipe tricolor. Ele veio do interior de Alagoas para tentar carreira no clube recifense. Na cidade ele fez alguns amigos, dentre eles o primo de Aninha, na qual ele frequentava sua casa que era na mesma rua que dela.
Nessas visitas, eles acabaram se conhecendo, ficando e namorando, logo em seguida. Ele tornou-se um grande amor para ela com certa facilidade, pois Aninha, aos seus 18 anos, havia tido poucas experiências amorosas e nem sequer ainda havia ocorrido sua primeira vez.
Por essa “inocência”, ela acreditava em tudo que o jogador falava. Um fato interessante era que Bento tinham duas alianças: uma de prata e outra de ouro e em todas as datas comemorativas, ele viajava para sua cidade natal e Aninha nunca desconfiou de nada.
Eles passaram 4 anos juntos, nesse tempo o atleta ganhou o coração de todos os familiares e amigos de Aninha. Em um episódio, inclusive, ele lesionou o joelho e precisou ser operado e passou o período de recuperação na casa da avó dela.
Certo dia, Aninha descobriu um número aleatório no celular dele e decidiu ligar. Foi quando ela descobriu ele na verdade Bento era casado. Em outro momento, a própria esposa dele ligou para ela e disse coisas horrorosas, inclusive, ameaçou esfaquear a pobre jovem que havia sido enganada.
Após muito tempo de sofrimento, felizmente ela conseguiu superar a traição com uma rede de apoio dos próprios amigos de Bento. Inclusive, ela acabou se apaixonando e namorando com um deles que também era jogador.
Com este, que vamos chama-lo de Ricardo, ela viajou para outro estado, onde passou um tempo, mas decidiu voltar pois não se habituou. Mas ela diz que foi uma ótima experiencia, só não deu certo devido a distância.
Anos depois ela, não satisfeita, casou-se com outro homem e novamente foi traída. Mas essa será história para uma outra matéria...
O LATINO
Clara, uma jovem recifense de apenas 20 anos, já experimentou em primeira mão a dolorosa sensação da traição, apesar de sua beleza, carisma e inteligência. Tudo começou em um bar na Zona Sul do Recife, quando ela se viu apaixonada por Franco, um latino que estava de passagem pela capital pernambucana.
"Quando o conheci foi a prova do destino na minha vida", descreve ela sobre aquele encontro.
Ela não tinha planejado ir à festa, estava lá apenas para comemorar o aniversário de uma prima, mas acabou comparecendo por insistência de sua mãe.
Assim que seus olhos se encontraram com a beleza do latino, Clara sentiu uma ousadia incomum e decidiu pedir ajuda a uma funcionária do local para chegar até o rapaz. Esse comportamento fugia completamente de sua abordagem usual em situações de flerte.
“Eu estava sóbria e nunca tinha feito isso. Daí pedi a garçonete para passar um bilhetinho para ele com meu nome”, contou. Ele acabou a encontrando nas redes, começaram a se conhecer e iniciaram um namoro 1 mês após o primeiro encontro.
“Dia 6 de novembro ele me pediu em namoro. Foi o dia que minha mãe começou a namorar com meu pai. Eu pensei logo que isso não daria certo porque meu pai e minha mãe foi a maior ‘’cachorrada’’ também”, contou.
Ao longo do namoro, Franco começou a manifestar um comportamento possessivo. Segundo Clara, ele vinha com cobranças constantes, fazendo questionamentos como "Onde você estava? Por que demorou?"
Certo dia, Clara estava em contato com seu namorado, que havia avisado que estava no shopping e depois iria sair com amigos. Era uma sexta-feira à noite, e ela preferiu ficar em casa estudando.
No entanto, ela sentia um peso em seu coração, uma sensação de que algo estava errado. Antes disso, Franco havia mencionado que a bateria do celular estava prestes a descarregar.
Por coincidência, havia uma amiga de Clara no mesmo bar que Franco estava. Por volta da meia-noite, Clara recebeu uma mensagem de sua amiga contando que havia passado pela mesa onde ele estava e o viu beijando uma garota que se assemelhava muito a ela.
Com lágrimas nos olhos, Clara ligou para seu melhor amigo e tomou uma decisão firme: "Vou até lá só para terminar com ele." Ao chegar lá, junto com o amigo, ela agiu como uma verdadeira detetive, cuidadosa para não chamar a atenção de Franco e evitar que ele percebesse sua presença.
"Quando cheguei, toquei nas costas dele, e ele ficou branco, sem saber o que fazer", contou.
Com muita elegância, ela disse apenas que não havia necessidade daquilo e encerrou o relacionamento ali mesmo, seguindo em direção à saída do bar.
Rapidamente, Franco correu atrás de Clara, negando com veemência as suas ações e tentando reverter a situação. Ele quase criou uma cena no bar, alimentado pelo ciúme em relação ao amigo de Clara. Essa traição foi extremamente decepcionante tanto para Clara quanto para sua família, que tinha um afeto profundo por Franco, que era seu primeiro namorado.
No entanto, a história teve uma reviravolta surpreendente alguns dias depois...
Meses antes do incidente mencionado anteriormente, Clara havia participado de uma festa com alguns “amigos” e ficado com outro rapaz. Durante o episódio, alguém filmou.
De forma surpreendente, Franco acabou encontrando essas pessoas que estavam na festa, e elas o mostraram o vídeo em que Clara aparecia, inflando ainda mais a situação. Como resultado, tanto Clara quanto Franco admitiram que ambos haviam cometido erros e decidiram dar uma segunda chance ao relacionamento, reatando por mais alguns meses.
Atualmente, eles já estão separados novamente. Franco reside em São Paulo, enquanto Clara continua em Recife, aproveitando sua vida de solteira. Cada um seguiu seu caminho, buscando novas experiências e perspectivas e, segundo Clara, foi melhor dessa forma.
DIA SIM, DIA NÃO
Quando adolescente, Pedrinho se apaixonou por Luiza, uma colega de escola, e começaram a namorar. No entanto, Pedrinho não sabia que Luiza havia terminado um relacionamento recentemente. Após descobrir a situação, ele não se importou, pois Luiza não parecia ter interesse em voltar com o ex.
Naquela época, os pais das moças costumavam estabelecer os dias em que suas filhas poderiam encontrar seus namorados, e isso também acontecia com Pedrinho e Luiza, que só podiam se ver dia sim, dia não.
Com o passar dos meses, Luiza começou a apresentar comportamentos estranhos, evitando que Pedrinho fosse à sua casa, inventando desculpas de outros compromissos ou até mesmo alegando doenças.
Após algumas tentativas frustradas de ver a namorada, Pedrinho decide fazer uma surpresa à sua amada, em pleno dia dos namorados.
Ele se vestiu elegantemente, comprou flores e chocolates, e foi até a casa dela.
No entanto, o que ele encontrou foi uma cena extremamente traumática. Luiza estava aos beijos com seu ex-namorado, e de forma explícita acariciava partes íntimas dele.
Ao perceberem a presença de Pedrinho, o casal ficou surpreso e sem reação. Pedrinho, chocado com o que testemunhou, apenas se desculpou por atrapalhar o momento e foi embora, completamente arrasado.
Uma semana depois, Pedrinho precisou voltar à casa de Luiza para buscar alguns pertences. Lá, ele encontrou a mãe e a tia de Luiza e, com muito respeito, expressou que entendia que Luiza tinha mais interesse pelo ex-namorado do que por ele.
Inesperadamente, Pedrinho ouviu um choro vindo do quarto, e era Luiza saindo aos prantos. Ela contou que havia sido traída novamente pelo ex-namorado.
Tempo depois, Pedrinho e Luiza decidiram retomar o namoro, mas eventualmente terminaram definitivamente quando Pedrinho a traiu com uma das amigas dele.
VAMOS PARA FERNANDO DE NORONHA?
Marina e Lucas se conheceram durante a graduação, eles tinham aquele tipo de relação moderna, que as pessoas chamam de ‘’ficar sério’’, onde um casal namora sem rotular o relacionamento dessa forma. Marina conta que no início a relação era muito tranquila, eles se davam absurdamente bem, e além do vínculo amoroso, eram bons amigos.
Com o passar dos meses, Lucas começou a apresentar comportamentos estranhos no relacionamento. Por exemplo, ele frequentemente deixava de responder às mensagens no WhatsApp, alegando que seu celular perdia conexão com a internet sozinho e que, por estar ocupado, não percebia. Apesar disso ocorrer de forma sutil, Marina achava as desculpas bastante convincentes.
Em um determinado sábado, Lucas desapareceu novamente, mas dessa vez Marina sentiu algo diferente, pois ele ficou ausente o dia inteiro. Decidida a tomar uma atitude, ela foi até a casa dele e descobriu, através da mãe de Lucas, que ele havia viajado com outra pessoa. Vale ressaltar que a mãe de Lucas não sabia da existência de Marina, pois o relacionamento não era público.
No domingo de manhã Lucas ligou para Marina contando que estava em uma praia nas proximidades da Região Metropolitana do Recife.
Ela insatisfeita com a situação, disse que iria esperar ele voltar para ter uma conversa, depois disso ele não teve como fugir e confessou que estava em Fernando de Noronha, com uma outra mulher e só retornaria para a capital na quarta-feira seguinte, e detalhe, a viagem era em comemoração ao aniversário desta outra moça.
Após o retorno, Marina conversou tanto com Lucas quanto com a outra mulher, revelando que ele estava se relacionando com ambas ao mesmo tempo. Um mês depois, Marina descobriu que a mulher estava grávida de Lucas.
Diante dessa situação, ela ficou muito abalada. Com a gravidez, Lucas se casou com a outra mulher e eles formaram uma família. Uma das partes mais difíceis foi ter que encontrar Lucas com frequência, devido aos compromissos profissionais em comum. No entanto, com o tempo, ela conseguiu se desvincular emocionalmente do seu ex.
Segundo Marina, sua vida melhorou muito após o fim desse relacionamento, pois ela passou a buscar oportunidades profissionais que sempre desejou, fez um concurso e conseguiu o emprego dos seus sonhos. "Foi a gaia que mudou a minha vida", descreveu.
Um fato interessante é que exatamente um ano após o término com Lucas, Marina fez uma viagem e conheceu um estrangeiro em outra cidade, que se apaixonou por ela. Atualmente, ele está prestes a vir para o Brasil para passar uma temporada junto com a amada.
A ÚLTIMA A SABER
Duda e Vitor eram colegas na escola e compartilhavam a mesma sala de aula. Com o convívio diário, eles se tornaram namorados. No início, o relacionamento deles era tranquilo, e eles tinham amigos em comum, e costumavam frequentar festas com essas pessoas.
Entre esses amigos, havia Marta, uma garota bissexual, que estava em um relacionamento sério e não aberto com outra garota. No entanto, durante as festas, Marta costumava trair sua namorada ficando com outras pessoas.
Marta era mais próxima de Vitor, mas também tinha uma relação amigável com Duda, chegando até a passar algumas noites na casa dela em certas ocasiões. Em uma dessas, Duda serviu de apoio quando Marta teve uma discussão com a mãe. Duda disse: "Ela brigou com a mãe e veio dormir aqui em casa".
Após o término natural do relacionamento, que já estava muito desgastado, Duda descobriu, durante uma conversa com o próprio Vitor, que ele e Marta teriam ficado juntos em uma das festas do grupo, festa na qual Duda não foi convidada, e que isso não teria sido a primeira vez.
Refletindo sobre a suposta "amizade" entre Marta e Vitor, Duda finalmente percebeu a situação que estava acontecendo bem diante de seus olhos, mas que ela não conseguia enxergar antes.
Durante o namoro, Vitor apagava suas conversas com Marta, e Duda chegou a ver um comentário de sua "amiga" a chamando de "corna", porém Vitor apresentava desculpas e na época ela relevou.
"Eu nunca imaginei que eles fariam isso comigo", lamentou Duda. Tempos depois, ela ainda descobriu que todos sabiam das traições, mas imaginavam que ela estava ciente e simplesmente não se importava com isso.
No entanto, felizmente, Duda superou esta fase, suas feridas foram curadas, e hoje Duda segue sua vida normalmente, vivendo intensamente e mal se lembra que Vitor existiu.
CONSEQUÊNCIAS DE UMA TRAIÇÃO
A descoberta de uma traição pode acarretar consequências sérias na vida das pessoas.
Segundo Carolyne Oliveira, psicóloga clínica e pós-graduanda em terapia cognitivo-comportamental, sentimentos de inadequação, insuficiência, uma sensação de ser excessivamente imperfeito e indigno de amor são apenas alguns exemplos de crenças que podem ser desencadeadas - ou mesmo reativadas - como resultado desse evento.
"A pessoa, então, pode desenvolver uma série de comportamentos disfuncionais e autodestrutivos na tentativa de lidar ou amenizar essa dor. Dor essa, que, quando somada aos demais acontecimentos da vida, pode se tornar insuportável", acrescenta a especialista.
Ela fala também sobre o fato das mulheres serem estimuladas a naturalizar as traições vindas de seus parceiros, com justificativas de que é algo da natureza masculina e querer transferir a culpa para outra mulher.
Porém, conforme a psicóloga, trair é uma escolha.
"Sei que não é tão simples como parece, porém se o indivíduo sente que não consegue lidar com isso sozinho, ele precisa procurar ajuda. É preciso entender o porquê de ele funcionar assim, desmistificar os padrões que estão por trás disso e entender quais são suas perspectivas para um relacionamento", explicou.
POR QUE AS PESSOAS TRAEM?
De acordo com o Cientista social, José Matheus, as relações sociais são como um contrato que contém regras que são seguidas com base no que é combinado entre as partes.
"A monogamia é uma delas. A exclusividade do afeto amoroso. A traição funciona como a quebra desse contrato", explica.
Para o cientista, o que influencia nesse número tão grande de pessoas traídas é a influência da pós-modernidade.
"São muitos estímulos. O tanto de possibilidade que os aplicativos da internet oferecem. Isso mexe com a mentalidade do indivíduo e acaba que essa força monolítica da monogamia se perde um pouco", explicou.
Matheus acrescenta que devido ao excesso de estímulos oferecidos pela atual sociedade, as relações tornam-se mais rasas.
"Isso inevitavelmente afeta suas relações com as outras pessoas. Com essa excessiva oferta de estímulos, não só para sua subjetividade, mas também para sua relação, você acaba perdido".
POR QUE RECIFE É A CAPITAL NACIONAL DA GAIA?
Sejamos sinceros, a famosa "gaia" existe em todas as partes do mundo. Porém no Recife, foi canalizada de forma diferente.
Parte desta fama é fomentada pelo burburinho causado nas páginas locais nas redes socias, inseridas principalmente no Instagram, nas quais casos genéricos ou de pessoas relevantes na cena pernambucana vêm à tona, viralizam e tornam-se assunto nos círculos sociais.
No Recife, a gaia, inclusive, fortalece a produção artística. Cantores pernambucanos que falam de traição são sucesso em todo Brasil. O rei do brega, Reginaldo Rossi, por exemplo, compôs uma canção chamada “O dia do corno”, que podemos considerar que foi homenagem a seus conterrâneos.