Fiéis se despedem da Festa do Morro

A moderna tecnologia está longe de superar a mais simples expressão da fé na Festa do Morro da Conceição, na Zona Norte do Recife. No dia principal da sua 110ª edição os sinais dos novos tempos estavam por todos os lados, da transmissão digital online a roupas com protetor solar e cliques de smartphones para instantâneo compartilhamento nas redes sociais. Mas o que prevaleceu nessa segunda-feira, 8 de dezembro, foi o hábito antigo de pagar promessa, usando azul e branco, de pés descalços, rezando, chorando, ajoelhando, levando um tijolo na cabeça, uma rosa ou uma imagem abençoada.

“Quando o novo chega o antigo não precisa ir embora”, arrisca o professor de geografia da Universidade de Pernambuco Jorge Araújo, que visitou o santuário na segunda-feira (8). “A gente pensa que a festa é uma oportunidade para evangelizar as pessoas e se surpreende com o contrário, os fiéis testemunhando o Evangelho com sua simplicidade”, completou o pároco José Roberto de França, há cinco anos no Morro e ainda surpreso com os 200 mil estimados no último dia da festa. 

O céu ficou cinza, choveu sinalizando as bênçãos de Iemanjá – para quem acredita no sincretismo que funde a orixá e a santa que concebeu Jesus sem mácula. Mesmo assim, quem se propôs a render graças lá permaneceu. Cristina Nestor dos Santos, 82 anos, com dores nas pernas e problemas de visão, foi apoiada na bengala e na amiga.

Forte e popular, a santa atraiu famosos às mais de 30 estreitas ruas e vielas, como Lia de Itamaracá, que foi rezar pelas crianças, “por que elas precisam de cuidado”, e anônimos que chamaram a atenção, como a jovem Michelene Regina. Ela pregou com pingos de vela corações vermelhos de papel nos 365 degraus da Ladeira Apique para agradecer o casamento. 

Foi o dia do encontro consigo mesmo, expresso na concentração da dona de casa Olívia Florência, 59, toda de azul e branco, caminhante solitária. Também foi um momento de lembrar com saudade. Cladeane Lira, acompanhada do marido José Augusto Lins, 69, refez os passos da sua mãezinha, Maria dos Prazeres, emocionada. “Ela vinha sempre por aqui, pelo cantinho, morreu há dois anos”, contou, aos prantos. 

Na barraca de ex-votos, a procura por pernas, cabeças e mamas de cera sinalizaram como doenças da mente, o câncer de mama e os acidentes de moto fazem sofrer a nova humanidade.

O antigo também se fez presente no encerramento da festa, quando centenas de devotos acompanharam a procissão em homenagem à Imaculada Conceição. A caminhada teve início às 15h45, saindo do Forte do Brum, no Bairro do Recife, Centro da cidade, seguindo pela Avenida Norte. Nos sete quilômetros de extensão do percurso, os fiéis entoaram preces, músicas e orações. O andor com a imagem da santa chegou ao Morro às 19h15, para a última missa da programação.

Moradores de Santo Amaro, Espinheiro, Torreão, Mangabeira e Casa Amarela colocaram cadeiras nas calçadas da Avenida Norte, para esperar o andor. Lucy Silva veio de Limoeiro, no Agreste pernambucano, para venerar a imagem. “Estou agradecendo uma graça alcançada”, declara. Fogos de artifício anunciavam a passagem do cortejo.

Leia mais sobre o assunto na edição desta terça-feira (9), no Caderno Cidades