“Psicologicamente, não tenho mais condições de entrar num ônibus”. A declaração do motorista Felipe José da Silva, de 32 anos, vem do medo, da dor e do forte impacto que um assalto ao coletivo que dirigia provocou na vida dele e da sua família. Baleado com um tiro de espingarda calibre 12 na perna, por não conseguir abrir a porta sem parar o veículo (que tinha o aparelho anjo da guarda), ele já passou por sete cirurgias para conter infecções e reestruturar o fêmur, dilacerado. As dificuldades que enfrenta e a incerteza do futuro se escondem sob a frieza das estatísticas.
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O Sindicato dos Rodoviários contabiliza 676 assaltos a coletivos este ano, a Secretaria de Defesa Social (SDS) aponta 326 casos de janeiro a abril (um aumento de 45% em relação ao mesmo período de 2015, com 226 roubos). “A SDS só apresenta os números em que as empresas são roubadas. Se apenas os passageiros forem assaltados e não levarem documentos, cartão de crédito e talões de cheques, não se faz registro”, informa o presidente do sindicato dos rodoviários, Benílson Custódio, que diz fazer levantamento pela imprensa e operadores.
Diante da situação, o sindicalista apelou por uma intervenção do Ministério Público de Pernambuco (MPPE) e, nesta quarta (25), se reuniu com representantes do Consórcio Grande Recife de Transportes e o promotor de transportes, Humberto Graça, para tratar do assunto, entre outros. “São 122 casos só este mês, uma média de cinco ao dia. Queremos mais abordagens aos coletivos com o uso de detectores de metais”.
O promotor informa que o Grande Recife vai formar uma comissão e apresentar um plano de atuação para enfrentamento da violência. “Os assaltos a ônibus não são dissociados da realidade das ruas e há um aumento considerável da violência. Evidentemente, há algumas ações que precisam ser específicas para os ônibus. Vamos aguardar as sugestões”, declara.
O presidente do Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros (Urbana-PE), Fernando Bandeira, assegura que há medidas de segurança em curso. “Estamos concluindo em 30 dias a colocação de câmeras mais modernas nos veículos em que a qualidade da imagem não estava boa. Também reduzimos o dinheiro a bordo com a bilhetagem eletrônica e estudamos a viabilidade do botão de pânico”, diz.
Por meio de nota, a SDS confirma que “se considera roubo a ônibus o crime que é praticado quando se rouba a renda do coletivo, associando-se à empresa, à pessoa jurídica. Com relação aos passageiros que estão dentro do coletivo, em deslocamento ou parados, é considerado roubo a transeunte, pois são subtraídos seus pertences”. Ou seja, há o registro, mas a tipificação é diferente.
O órgão informa que realiza a Operação Transporte Seguro em pontos de maior incidência criminal, tendo abordado 8.271 coletivos, de janeiro a abril, apreendido seis armas de fogo e encaminhado 24 pessoas à delegacia. Diz, ainda que a Polícia Civil está priorizando os inquéritos do tipo.
Felipe, o motorista do início da matéria, não faz ideia se os adolescentes que o balearam foram apreendidos. “Só sei que não confio mais em ninguém. Eu estava trabalhando, um trabalho bonito. Eles chegaram de surpresa, roubando todo mundo e queriam descer com o ônibus em movimento. Perderam a paciência e atiraram, foi um susto grande. E podia ser pior, eu era responsável por todos os passageiros e a bancada estava cheia, mas consegui parar o coletivo. Foi meu primeiro assalto e peço a Deus que tenha sido o último”, relata. Os assaltantes desceram forçando a porta. O caso aconteceu em Vila Sotave, Jaboatão dos Guararapes, Grande Recife, em dezembro.