Olinda, em 1631, era uma vila com cerca de 700 casas e tinha como limites o Varadouro, a Rua do Amparo (com construções apenas de um lado, hoje situadas à direita do trânsito), a Bica do Rosário e o mar, no trecho da atual Igreja de São José do Ribamar, na Rua do Sol. “Como vila litorânea e colônia muito distante de Portugal, era um lugar belo”, declara o arquiteto José Luiz Mota Menezes, que pesquisou a evolução urbana da cidade.
Nessa época, diz o arquiteto, havia um grande pátio em frente à Igreja do Carmo, depois transformado em Praça da Abolição; o rossio que seria uma área espaçosa para uso comum do povo e hoje corresponde a parte da Avenida Sigismundo Gonçalves; a Rua do Bonfim; a Estrada do Bonsucesso e os Quatro Cantos. “A povoação era feita de casas térreas e havia muitas moradias com portas de treliça e muxarabis”, afirma o pesquisador.
Há 80 anos, quando o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) concedeu o título de monumento brasileiro às primeiras edificações de Olinda, havia apenas duas casas com os balcões muxarabis na cidade: o sobrado de número 28 da Rua do Amparo (no lado mais antigo da via) e o casarão de número 7 da Praça João Alfredo, aquele junto da Igreja de São Pedro Mártir de Verona.
Muxarabi é um balcão com treliça de madeira, telheiro e apoiado em consoles de pedra, explica o urbanista. “É uma solução arquitetônica de influência árabe (daí serem chamados sobrados mouriscos) e da América Espanhola, que veio de Portugal para o Brasil”, afirma José Luiz Mota Menezes. Uma lei portuguesa para proteção da inviolabilidade do lar previa o uso das treliças nas portas das casas, informa.
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Com esse tipo de vedação, muito comum na arquitetura colonial, quem está dentro da casa tem uma visão completa da rua, mas quem está do lado de fora não viola a intimidade da residência. Além disso, mesmo com a porta fechada o ar passava e a luz entrava na edificação. “No mundo árabe, a porta de treliça protegia as mulheres dos olhares masculinos”, observa.
No século 18, depois de um atentado no Recife contra um governador, os proprietários de imóveis foram obrigados por lei a retirar as portas de treliça e os balcões muxarabis das casas. “Atiraram nele de dentro de um muxarabi”, relata José Luiz. “Em Olinda, sobraram apenas essas duas varandas, na Rua do Amparo e na Praça João Alfredo. As treliças foram substituídas por gradis de ferro”, diz ele.
Tombamento
O casarão da praça, que tinha um oratório interno no passado, funciona como restaurante. E o sobrado 28 do Amparo, antiga sede da Casa de Cultura dos Povos de Língua Portuguesa, foi cedido pelo Iphan à Prefeitura de Olinda, encontra-se fechado e precisa de reparos. A madeira do balcão de treliça está danificada e o telheiro coberto com lona plástica. Dar uso adequado aos monumentos tombados e torná-los sustentáveis é o grande desafio da gestão do patrimônio, acrescenta o engenheiro do Iphan-PE Frederico Almeida. “Os patrocinadores só apoiam obras se o prédio tiver função.”
O processo de tombamento dos dois sobrados mouriscos do século 17 teve início em 1938, mas os imóveis só foram inscritos no Livro de Belas Artes do Iphan em abril de 1939. São as primeiras casas de Olinda protegidas por lei federal. As demais edificações – residências e as igrejas que não tinham sido tombadas em 1938 – passaram a ser consideradas patrimônio nacional 50 anos atrás, em 19 de abril de 1968.
Nessa data, o conjunto arquitetônico, urbanístico e paisagístico de Olinda foi inscrito no Livro de Belas Artes, no Livro Histórico e no Livro Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico do Iphan, diz Frederico Almeida, que atua na instituição em Pernambuco há 35 anos. “As edificações tombadas individualmente são duplamente protegidas, de forma isolada e em conjunto”, ressalta o engenheiro.
Em 17 de abril de 1982 a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) concede a Olinda o título de Patrimônio Cultural e Natural da Humanidade. “As casas de Olinda eram caiadas, como as aldeias portuguesas, com portas e janelas coloridas, pintadas de azul, vermelho escuro e verde garrafa. É lamentável a perda das características na cor do casario”, ressalta José Luiz.