Após séculos de repressão, os orixás cultuados na umbanda e candomblé querem ganhar as ruas em grande estilo. Literalmente. Com quatro metros de altura, pesando cerca de 20 quilos, o calunga do Exu Tranca Ruas das Almas, produzido pelo bonequeiro Sílvio Botelho, foi recebido ao som dos tambores rufando e fogos de artíficio, ontem, na Casa do babalorixá Roberto das Águas, em Jardim Brasil I, em Olinda, no Grande Recife. Chegou acompanhado de dona Paulina, gigante feita por Botelho em 2010, mestra de Jurema. Mas os planos de Roberto das Águas são mais ousados: quer tornar gigantes todos os orixás, ainda no próximo ano.
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O boneco foi produzido à imagem do babalorixá, que mantém a casa de candomblé jeje há mais de 40 anos. Na cabeça, o calunga traz sua conhecida cartola. Nas costa, a capa. Nas mãos, um falo e um tridente. “Exu é o orixá da reprodução e nós, que não acreditamos no diabo, dizemos que ele é nosso santo anjo”, explica Roberto. “Tranca Ruas é o que abre os caminhos, é o orixá da saúde e das almas. Quem tiver problemas nessas áreas é só pedir para ele. E no próximo ano queremos fazer um encontro dos 21 orixás gigantes, para difundir mais nossa religião”.
Salientando que os orixás são elementos da natureza, Sílvio Botelho defende o combate ao preconceito que as religiões africanas ainda enfrentam. “Há um certo medo, mas tudo isso é quebrado quando começamos a botar o candomblé na vitrine e dizer o quanto é importante. Esse país cresceu porque os negros levantaram essa bandeira. Eles traziam com eles a carga de seu trabalho e a fé nos seus orixás, por que esconder isso?”, diz. Proibidos de seguir sua religião, os escravos usavam as imagens dos santos católicos para escapar da censura.
PIONEIRO
O bonequeiro diz que o primeiro gigante, o Homem da Meia Noite, é um calunga de Iemanjá. “Os orixás começaram a aparecer em imagens pequenas, do maracatu. Agora todos querem crescer e dizer: estou aqui”. Com agenda cheia, ele acredita que começa a trabalhar nos próximos calungas a partir de março. Mas Tranca Ruas promete aparecer no Carnaval 2019.
A cuidadora Elaine Castro aprovou o boneco, disse que ele iria proteger a casa. “É importante para acabarmos com a repressão e o preconceito, ainda mais com esse governo (federal) que está chegando. Já sofremos muito com a intolerância, temos que nos unir, pois vivemos em um País laico”.