As senhoras e os senhores pomposos do Recife de um século atrás estavam todos ansiosos, dado o deslumbre que marcaria aquela terça-feira, 24 de agosto de 1915. Às vésperas daquela data, como era de se imaginar, o Recife aguardava a abertura oficial e luxuosa do Theatro do Parque, no bairro da Boa Vista, um empreendimento de “1ª ordem”, como elogiava, na época, o jornal A Província. O teatro era a segunda parte do sonhado Parque de Diversões do comendador português Bento Aguiar, que viria a se somar a um hotel já existente no local.
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A pé, de maxambombas e bondes, foram todos ver o corte de fita do então novíssimo espaço de cultura e entretenimento daquele Recife de ruas com paralelepípedos. Na noite de estreia, o público assistiu à revista O 31, da companhia portuguesa Theatro Avenida. Palco e jardim de tantas memórias do teatro pernambucano – lugar frequentado por várias classes sociais e heterogêneos públicos – o Parque, no coração pulsante do centro comercial da cidade, deveria hoje estar de portas abertas para celebrar os seus 100 anos, não fossem o descaso e o abandono. Há quatro anos, empoeirado, o teatro do povo está fechado a cadeados.
O Teatro do Parque foi construído com influências do alto padrão da arquitetura do final do século 19, início do século 20. Toda a estrutura de ferro, em estilo art nouveau, veio de navio, da Alemanha para o Recife, num projeto assinado pela empresa Montheath & C.. A obra, que custou cerca de 200 contos, era um prédio coqueluche, e contava, inclusive, com “iluminação elétrica” – como anunciavam em letras de destaque os jornais.
Como explica o arquiteto José Luiz da Mota Menezes em depoimento no livro Cine-Teatro do Parque – Um Espetáculo à Parte, da historiadora Lêda Dias, “é uma arquitetura que tem uma característica internacionalizante. Talvez antes da própria arquitetura moderna, que pretende ser internacional, ela foi internacional pelas condições de pré-fabricação”.
O jardim faz do Teatro do Parque um belo e aconchegante espaço no Recife. A área arborizada, entre frondosos sapotizeiros, além de uma beleza singular, deixa o teatro refrescado pela renovação do ar – modelo já existente na Inglaterra, em Portugal e na França.
“O teatro marca a expansão dos bairros do Recife, Santo Antônio e São José. Bento Aguiar resolveu fazer não só um hotel, mas também o teatro, e aproveitou aquela área ao fundo do terreno, o jardim. A arquitetura do hotel era muito fiel ao que se fazia na França naquela época. É uma moda aqui, como foi feita a Faculdade de Direito”, revela José Luiz.
A princípio, o Parque surgiu para ser palco dos teatros de revista; para agradar a plateias com risos fáceis e piadas de puro gosto popular, embora já na sua inauguração possuísse espaço para projetor de cinema. “Era um teatro de variedades, de operetas, vaudeville”, conta o arquiteto ao JC. Na primeira semana de funcionamento, estiveram em cartaz, além de 0 31, as peças Guerra dos Homens e No País do Sol. Os ingressos variavam de mil reis (para o jardim) a 15 mil reis (para os camarotes).
Um mês após sua abertura, o Parque começou também a exibir filmes. Ali nascia outra marca daquele teatro popular, também um dos mais frequentados cinemas do Recife, que se somou à febre de salas de projeção na capital pernambucana.
TEATRO E CINEMA
Com a morte de Bento Aguiar, em 1929, o Parque foi arrendado ao empresário Severiano Ribeiro, que potencializou o cinema em detrimento às apresentações teatrais.
Após 30 anos da gestão Severiano, e por pressão de artistas e representantes da elite intelectual recifense, que alegavam a escassez de teatros no Recife, em 1959, o Parque entrou em crise e a prefeitura assumiu a gestão do espaço. Antes disso, ele passou por uma pequena reforma de restauro e abriu as portas ao povo. Em 15 de dezembro daquele ano, a cidade assistiu à reabertura do teatro com o espetáculo Onde Canta o Sabiá, com direção de Hermilo Borba Filho.
“A rápida reforma realizada em 1959 apenas maquiara os problemas, mas a Prefeitura não parecia disposta a restaurar a casa para espetáculos cênicos”, conta a historiadora Lêda Dias, em Cine-teatro do Parque. Naquele período, o Recife vivia o segundo Ciclo do Cinema de Pernambuco e ter uma sala de projeção do porte do Parque fazia brilhar os olhos de parte dos artistas locais.
Na década de 1960, no entanto, o teatro voltou a ser tratado com precariedade. Não se achava uma maneira de conciliar estruturalmente cinema e artes cênicas. No período em que o Recife via a efervescência do Movimento de Cultura Popular e o Brasil sofria com a ditadura militar, o espaço fechou novamente as portas para uma nova reforma, agora reclamada por descaracterizar as estruturas originais. Em 1969, o Parque estava reaberto pelo então prefeito Augusto Lucena. Dali por diante, porém, o equipamento pôde viver, enfim, a multiplicidade de linguagens a que ele estava destinado. Virou lugar de cinema, teatro, dança e música, sendo a casa também da Banda Sinfônica do Recife.