O Cinema São Luiz recebeu a penúltima sessão das principais mostras da vigésima segunda edição do festival Cine PE, em uma noite que flutuava entre o engajamento político e o entretenimento descompromissado. O final de domingo se mostrou capaz de ainda levar um bom público, que formava uma fila contornando a lateral do cinema, cerca de uma hora antes das portas serem abertas. "Domingo foi o dia que consegui um tempinho para vir, nos outros dias sempre acontecia algo e me impedia, mas hoje deu tudo certo e espero ver bons filmes", afirma a estudante universitária Larissa Balbino, que ia pela primeira vez ao festival e se encontrava na fila.
Com todos bem acomodados, a apresentadora Graça Araújo subiu ao palco para dar as boas-vindas, começando a já tradicional apresentação dos realizadores das obras exibidas na noite, que subiram ao palco e falaram sobre suas produções. Destaque para Pedro Arruda, que levou seu Deep Dive, para abrir a noite. "Foi um filme feito para a disciplina de direção que fizemos na faculdade. Mandamos sem esperar nada e estamos aqui. Se não gostarem, nos esforçaremos para fazer melhor nos próximos, amo fazer cinema", afirmou Arruda, arrancando risos e aplausos da platéia. Já Jessica Queiroz, diretora de Peripatético, ativou com mais força a aura política, dedicando seu filme para as pessoas vítimas de abusos por parte da polícia e todas as mulheres negras do audiovisual.
Filmes
Dentre os sete curtas, havia espaço para vários estilos e direcionamentos. O pernambucano Deep Dive brincou com a estética do cineasta norte-americano David Lynch, focando em criar uma sinistra atmosfera onírica, mais especificamente de um pesadelo, se mostrando um ótimo exercício formal. O segundo conterrâneo foi o documentário experimental Frequências, de Adalberto Oliveira, que toma o Farol de Olinda como eixo para uma série de imagens de seu entorno, que dialogam bem por meio de ações e até formas geométricas, por mais que a mão do diretor acabe pesando um pouco em alguns momentos.
A mostra nacional começou com Insone, uma animação despretensiosa e bem feita, em que dois irmãos brincam de luta de espadas no quarto e têm sua imaginação materializada na tela. O curta seguinte foi o documentário paulista Universo Preto Parelelo, todo feito com material de arquivo, em que depoimentos acerca da tortura nos tempos do regime militar dialogam com pinturas de diversas formas de agressão durante os anos de escravidão, criando um forte mosaico sobre estruturas de opressão no país. O filme incendiou a plateia, misturando aplausos com gritos contra a Polícia Militar.
O terceiro filme, Peripatéticos, também vai discutir estruturas de opressão, agora utilizando a ficção para contar a história de três jovens negros periféricos e suas perspectivas para o futuro no meio do ambiente violento. O mineiro Lençol de Inverno trabalha em cima de um resgate de memórias dolorida e preconceito na zona rural. Quem fechou a mostra de curtas foi a comédia carioca Não Falo Com Estranhos, o mais leve da noite, que foi bem recebido pelo público.
O longa que encerrou a noite foi Henfil, de Angela Zoé, sobre o popular cartunista homônimo. A diretora traduz bem o ritmo urgente da vida de Henfil, muito por causa de sua hemofilia, e o humor ácido de seu protagonista. A vida do artista é exposta através de depoimentos de personas de seu convívio, como Ziraldo, e entrevistas de arquivo do próprio cartunista. Zoé traz uma boa estratégia ao posicionar a pesquisa um grupo de animadores responsáveis pelos créditos finais do filme como uma âncora narrativa para o público, passeando pelo ativismo político, investida em outros campos artísticos, como o cinema, e suas passagens pelo exterior. Uma excelente recompensa para aqueles que decidiram ficar até o fim da noite.