Leia Também
Uma história que traz outras narrativas por trás, sempre interrompidas, mergulhando cada vez mais fundo no próprio ato de contar. Como uma boneca matriuska, sempre com camadas mais fundas, O livro de Corinthia (Cepe Editora, 117 páginas), romance do escritor e cineasta pernambucano Fernando Monteiro é um hábil jogo sobre a própria literatura e os efeitos de narrar. Um dos premiados do Prêmio Pernambuco de Literatura, ele volta a publicar um romance depois de oito anos do seu último livro no gênero, As confissões de Lúcio.
O livro de Corinthia é uma obra assim, fragmentada, mas engenhosamente montada nessas suas frações. O enredo, se é que é possível defini-lo sem excessivas reduções, é o seguinte: um escritor cego recebe a sua nova secretária, Corinthia, que passa a datilografar o romance que ele dita, repleta de voyeurismo – aqui, uma metáfora do próprio procedimento da literatura e do seu prazer cruel da observação (sempre feita mais de imaginação e seleção do que de realidade). Entre a narrativa que Methodio cria, as impressões de Corinthia sobre ele, uma história da escritora cubana Alba de Céspedes, surgem alterações da própria Corinthia no que lhe é ditado. Antes mera intermediária dessa mensagem, ela começa a criar um livro – completamente arbitrário e quase caótico – distinto do que ouve.
A personagem de Corinthia, de uma forma quase sutil, faz parte do universo do personagem Lúcio Graumann, desconhecido escritor criado por Fernando para ser o primeiro Prêmio Nobel da Literatura nascido no Brasil. Em um texto no jornal Rascunho, ele fala de um possível manuscrito perdido de Graumann e da amizade dele com uma certa C., que viria a se tornar Corinthia. O livro seria, então, esse texto perdido de Graumann?
“De certa forma, O livro de Corinthia é feito das ruínas do que seria o último livro da trilogia de Graumann, que seria chamado A intrusa na sombra”, comenta o escritor. “Este é um livro com cortinas e cortes bruscos”. Cheio de fraturas, o romance parece sempre acontecer em paralelo ao que está sendo narrado, ponto para irromper na página. No entanto, sempre frustra, de modo engenhoso e sádico, os próprios caminhos naturais.
Fernando, na verdade, não está interessado em nada nessa fidelidade ou submissão de obra às vontades alheias. A sua principal crítica a literatura “contemporânea” é que, na verdade, dentro dela “as coisas que estão sendo contadas são exatamente as coisas que estão sendo contadas”. Não há nada por trás delas, para ele, e são os subterfúgios justamente o que interessam em O livro de Corinthia. “O final do livro é algo que se desfaz”, antecipa.
Leia a matéria completa na edição de domingo (9/3) do Jornal do Commercio