Um dos personagens marcantes do romance A Peste, do francês Albert Camus, é o funcionário público Joseph Grand. Enquanto leva sua vida de modo austero, tem um objetivo pessoal: escrever um livro. O problema é que a sua escrita se resume a refazer indefinidamente a primeira frase da obra, num perfeccionismo extenuante.
Em vários momentos em um período de 33 anos, o escritor Ronaldo Correia de Brito se sentiu um pouco como Joseph Grand. Quando era um jovem, aos 19 anos, o autor fez a primeira versão do conto Lua Cambará. Só quando tinha 52 anos viu o conto ser editado nacionalmente junto com outras narrativas que vinha criando, recriando, refazendo e retalhando. Era o volume Faca, lançado em 2003 pela hoje extinta Cosac Naify. Logo depois, o volume ganharia a companhia de Livro dos Homens, pela mesma editora. Agora, as duas obras ganham uma edição conjunta pela Alfaguara, que começou a chegar nas livrarias na semana passada.
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Para Ronaldo, os dois livros são fundamentais na sua formação como escritor. “Eu tinha lançado As Noites e Os Dias em Pernambuco pela Bagaço em 1996. Três anos depois, esse livro chegou às mãos de Davi Arrigucci Jr, que já me conhecia. Então ele propôs editar o livro pela Cosac e me pediu outros contos. Faca nasceu assim”, relembra o autor.
Dois anos depois, Ronaldo lançou Livro dos Homens, com contos que ficaram fora de Faca e outras narrativas. “Os dois tiveram belas trajetórias, com textos adaptados para o teatro e o cinema, além de utilizados no vestibular”, conta. O fechamento da Cosac, no entanto, deixou os livros sem editora. A Alfaguara, que pertence ao grupo Companhia das Letras, se interessou em adquirir os direitos.
A junção dos dois volumes foi ideia de Marcelo Ferroni. “Acho que ficou ótimo. Um dos motivos é que são livro curtos, que, no formato editorial da Alfaguara, iam ficar muito pequenos”, explica Ronaldo. Além disso, Faca e Livro dos Homens compartilham um mesmo momento criativo. “Na verdade, eles são um livro só. Quando enviei os contos para a Cosac, enviei outro livro que já tinha pronto. Os textos dessas duas obras saíram daí, do projeto de um livro único que eu dividi por conta da economia da Bagaço. Só fiz escrever dois ou três contos novos para terminar de compor Livro dos Homens: quase todos eram muito antigos, de anos atrás”, recorda.
O trabalho contínuo foi transformando contos que haviam sido planejados como uma novela em narrativas curtas, como foi o caso de Milagre em Juazeiro. “Eu gosto de mexer em contos até eles ficarem só no osso”, garante o autor. Além disso, até um livro ser publicado, Ronaldo continua modificando-o obsessivamente. Tanto que, no lançamento de Faca, ouviu um elogio brincalhão do escritor Milton Hatoum: “Você desperdiça muitos argumentos. De cada conto desse eu faria um romance”.
IMPORTANTES
“São talvez os livros mais importantes da minha vida. Foram feitos dos 19 aos 52 anos, neles eu experimentei todas as forma de linguagem. Faca é um experimento nascido da linguagem. Rabo de Burro é muito ousado”, analisa o autor. “Eu decidi inclusive não reescrevê-los, porque foram contos bastante maturados.”
Além disso, Ronaldo confessa que o título da Faca nasceu por acaso. Na hora da assinatura do contrato com a Cosac Naify, o livro ainda não tinha um nome oficial. O responsável jurídico pelo contrato criou um título fantasioso a partir de um dos contos. Como todos gostaram do resultado, o trabalho do editor, Davi Arrigucci, foi só o de cortar o artigo.
As narrativas breves de Ronaldo parecem ficar mais vivas com o passar o tempo. Textos de Faca, Livro dos Homens e dos posteriores Retratos Imorais e O Amor das Sombras continuam ganhando adaptações e traduções. De certa forma, Ronaldo gosta de pensar que há uma unidade nessa parte da sua prosa. “Anco Márcio Tenório falou que não conseguia ler O Amor das Sombras como um livro de contos. Confessou que leu como se fosse um romance, ou como O Livro das Mil e uma Noites, com histórias dentro de histórias dentro de histórias”, ressalta o escritor.
PROJETOS
Atualmente, Ronaldo se dedica a um novo romance. Não há um nome ainda – é a última coisa que o autor costuma decidir nas suas obras. É baseado em um conto antigo seu, que voltou a se estender para centenas de páginas. A previsão é que a obra seja lançada em março.
Enquanto isso, o autor estreou também na sua página no Facebook um projeto com vídeos em que fala sobre literatura, o Entre Livros. Nos primeiros vídeos, se dedicou a falar sobre as leituras que o marcaram – nomes como João Cabral de Melo Neto, Jorge Luis Borges, Walt Whitman e Alberto da Cunha Melo aparecem no canal. “Foi uma forma de melhorar a audiência da minha página. A partir de julho, volto com novos vídeos na série intitulada Entre Autores, que vai trazer diálogos com outros criadores”, adianta.