RETORNO

Criolo reinventa o próprio passado: ''Ainda Há Tempo''

Rapper traz hoje para o Recife o show da turnê do relançamento do seu primeiro disco, de 2006

NATHÁLIA PEREIRA
Cadastrado por
NATHÁLIA PEREIRA
Publicado em 07/04/2017 às 10:00
Foto: Gil Inoue/Divulgação
Rapper traz hoje para o Recife o show da turnê do relançamento do seu primeiro disco, de 2006 - FOTO: Foto: Gil Inoue/Divulgação
Leitura:

“É muito triste a gente constatar isso porque há letras ali de 15, 20 anos atrás. A gente vê que muita coisa não mudou, que as pessoas, nós, continuamos sofrendo. Pobres, todos sofrem, porque isso se reflete em todos os cantos da cidade. O riso leva energia para todos esses cantos, a dor também”. A resposta acima foi dada por Criolo quando perguntado sobre a pertinência atual das letras gravadas há uma década.

Concretização de anos de dedicação ao rap, Ainda Há Tempo é hoje, além de um dos mais importantes discos do gênero, o marco de uma virada de rumo na vida do paulistano Kleber Cavalcante Gomes. O caminho para ir do cara de 30 anos que morava com os pais ao que ocupa lineup de festivais internacionais, ele lembra, em entrevista ao JC, foi pesado.  A revisita a esse tempo ele faz hoje à noite, em única apresentação no Recife da turnê comemorativa pelos dez anos do disco, relançado para download gratuito no ano passado.

Quando começou a registrar, lá por 2000, 2002, as primeiras faixas do que seria seu primeiro álbum, o então Criolo Doido não dispunha de metade da estrutura técnica que tem hoje. Chegar ao trabalho final era sonho distante e a realidade da favela do Jardim das Imbuias, onde cresceu, fazia ronda nos pensamentos dia e noite. Foi da gente de lá que saiu inspiração para letras como a de Tô Pra Ver, um relato do levante diário de quem nasce à margem das áreas nobres: “Eu tô pra ver um daqui pedir toalha, água/ Não resistir a essa batalha”.

Se nas discussões em redes sociais não falta quem dê ao brasileiro a pecha de apático, para ele, a coisa não é bem assim. “A gente tem uma força brutal de resistência, de luta, de buscar melhorias, onde eu cresci, em todo canto. Então, pelo contrário, não é nada apático. Simplesmente existem alguns momentos um cansaço brutal porque o sofrimento cansa. E, olha, o grande lance é você ser você mesmo. Se você tá dentro das coisas que você acredita, se você continua com a sua mente e seu coração voltados pra aquilo que fez você lá atrás sentir a força da música no seu corpo, na sua alma, então, tá tudo certo”, desenvolve.

Contando com a aparato dos produtores Daniel Ganjaman e Marcelo Cabral, o Ainda Há Tempo de 2016 chegou enxuto, com nove faixas e menos de meia hora de duração. Para os shows, ganhou projeções em tela LED pensadas pelo artista plástico Alexandre Orion para ajudar no passeio entre passado e presente. É voltado para o público, mas faz o artista recordar detalhes também. “Me lembra muito um momento da vida, um momento de muita luta, luta da minha família pela sobrevivência, minha luta no meio disso tudo”, confidencia.

“Lembro também de um rap que sempre foi feito com uma inocência e vontade muito grande de mudar o mundo; e ela ainda persiste, de outros jeitos, de outras formas, e é bonito relembrar isso, por mais que tenha dor e sofrimento nessa história. Foi nesse dia a dia que minha construção foi sendo feita, eu tenho gratidão demais por essas lembranças que esse disco traz pra mim, é realmente muito especial”.

Recém chegado de dois shows nas edições brasileira e argentina do Lollapalooza e ex-parceiro de Ivete Sangalo no Nívea Viva Tim Maia, ele diz não se preocupar com a vigilância dos que cobram do rap distância de qualquer coisa que fuja do estereótipo do clássico MC.

“Isso não é uma preocupação pra mim, pros meus, porque a gente sempre seguiu o desejo do coração, de escrever, de cantar, qual sonoridade vai pra cada texto que vem. A nossa lógica é outra, não é uma lógica de mercado. Eu não sou a pessoa certa pra falar de mercado porque eu não manjo nada de mercado. Tento entender um pouco o que o meu coração tenta me dizer, entender um pouco o que eu posso melhorar, porque a gente nasce inocente, recebe o amor dos nossos pais, recebe exemplos de pessoas muito especiais, mas também uma enxurrada de informações do mundo que também vai destruindo a gente, então só tento equacionar isso tudo em mim e isso, minha música, meus textos, vem muito disso, do dia a dia, de tentar me entender enquanto espécie, ser humano, indivíduo. A gente segue o coração”.

Apesar dos holofotes recebidos depois de lançar três elogiados álbuns, Criolo refuta o status de estrela do rap, diz não se enxergar assim e afirma ter a música como ferramenta para melhorar pessoalmente. “Sou uma pessoa que escreve desde 1987 e tá procurando, de alguma forma, se entender, melhorar, e, no meio disso tudo, o que eu tenho de bom e mais positivo eu tento dividir”.

DIVIDINDO COM O MUNDO

O último álbum de inéditas de Criolo, Convoque Seu Buda, foi lançado no final de 2014. Tão bem recebido quanto os dois antecessores (Nó Na Orelha chegou em 2011), ele ganhou lançamento nos Estados Unidos e Europa, e uma turnê de pouco mais de um ano. Com pelo menos outros seis shows na agenda, o rapper não deve demorar a entrar em estúdio novamente.

“Sempre nascem músicas, textos, ideias, assuntos quando estou com a minha mãe, dona Maria Vilani, ou com seu Cleon, meu pai, ou com meus irmãos, meus sobrinhos que alcançam certa idade. Estou sempre ali aprendendo com eles e com pessoas que passam pela minha vida e têm a generosidade de me deixar um ensinamento. Isso acaba me transformando ou indo pras coisas que eu escrevo. Então, em algum momento, vou me reunir com a turma de novo. Já já vem coisa por aí que a gente quer dividir com o mundo”.

Sobre se faria algo diferente do que já construiu, ele invoca o futuro. “Estou nas primeiras páginas da minha história, se me permitirem, quero escrever mais umas outras”.

OUÇA AINDA HÁ TEMPO NA ÍNTEGRA:

Últimas notícias