CARAVANAS

Análise: Chico deve ter gargalhado com polêmica nas redes sociais

O álbum que tanta gritaria causou com apenas uma faixa, a Tua Cantiga, chega por inteiro nesta sexta-feira (25/08)

JOSÉ TELES
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JOSÉ TELES
Publicado em 22/08/2017 às 17:30
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O álbum que tanta gritaria causou com apenas uma faixa, a Tua Cantiga, chega por inteiro nesta sexta-feira (25/08) - FOTO: Leo Aversa/Divulgação
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Chico Buarque deve ter dado gargalhadas com as interpretações e polêmicas nas redes sociais geradas por Tua Cantiga, primeira canção liberada do álbum As Caravanas (Biscoito Fino), que aterrissa nas lojas nesta sexta-feira, 25 de agosto. O título da canção dava uma pista de que se tratava mesmo de uma cantiga, à moda antiga, com versos aparentemente simplórios, com aliterações e outros artifícios poéticos. Chico canta um personagem num caso de passionalismo exacerbado, mal-comparando, espécie de Esse Cara Sou Eu, de Roberto Carlos, mais sofisticada.

Análise: Chico deve ter gargalhado com polêmica nas redes sociais

Na letra, citações à letra de Braguinha para a historinha de Chapeuzinho Vermelho (dos famosos disquinhos infantis dos anos 40), com os versos finais pinçados de um soneto de Shakespeare, traduzido por Chico: “Ou estas rimas/ Não escrevi/ Nem ninguém nunca amou”. O coautor de Tua Cantiga, Cristóvão Bastos, esclarece que a melodia foi inspirada naPolonaise em G minor, de Bach. Um lundu bachiano, pois. O maestro Luiz Cláudio Ramos assina o arranjo, também à antiga.

Mais uma citação em As Caravanas, que dá nome ao disco, em ritmo de beguine (que Cole Porter tornou popular com Begin the Beguine, de 1935), porém com uma sutil referência a Caravan (1936), hit de Duke Ellington e sua orquestra. Uma crônica do estado atual do Rio de Janeiro, numa dessas sacadas do compositor, que liga os meninos do morro ao Jardim de Alah (que divide Ipanema do Leblon), ao mesmo tempo referência aos refugiados que rumam em hordas para escapar ao horror de uma guerra cada vez mais insana.

O refrão tem inspiração no Camus do clássico O Estrangeiro, contrapondo o sol carioca ao igualmente impiedoso sol da Argélia, onde se passa a história do escritor: “Sol, a culpa deve ser do sol/ Que bate na moleira, o sol/Que estoura a veias, o suor/Que embaça os olhos e a razão”, e com versos incisivos como “Tem que bater, tem que matar / Engrossa a gritaria / Filha do medo, a raiva é mãe da covardia”. No arranjo de Luís Claudio Ramos, o beatbox de Mike, do Funk Dream Team do Passinho.
Talvez o bom humor de Blues pra Bia, insinuações de um rapaz hétero para uma moça homossexual, provoque novamente a mau humor do politicamente correto, pelos versos: “Talvez fique encabulada/ talvez queira me avisar/ que no coração de Bia/ meninos não têm lugar/ porém nada me amofina/ até posso virar menina/ pra ela me namorar”, uma canção bluesy na linha de Bancarrota Blues (parceria com Edu Lobo).

AS FAIXAS

Das nove faixas de As Caravanas, sete são inéditas, duas já gravadas, mas pela primeira vez num disco de Chico: Dueto (1979, do musical O Rei de Ramos) e A Moça do Sonho (com Edu Lobo, do musical Cambaio. As canções foram gravadas sem pressa, desde 2015, com produção do maestro e violonista Luís Cláudio Ramos. Embora em Dueto, com participação da neta Clara Buarque, termine-se a música citando várias redes e mídias sociais (até o extinto Orkut), ou se valha do citado Mike no beatbox, Chico Buarque não tem pretensões de ser moderno. É um dos grandes, e últimos, autores de canções, como o também citado Cole Porter ou Burt Bacharach. Um dom que faz com que o velho bolerão torne-se contemporâneo, como acontece em Casualmente, parceria com o contrabaixista Jorge Hélder, feita para um disco brasileiro da cubana Omara Portuondo, que não aconteceu. Uma bela ode a Havana, com versos também em espanhol e português. Ou quando recorre ao esquecido samba-canção em Desaforos, com versos que Noel Rosa assinaria: “Alguém me disse/ que tu não me queres/ e que até proferes desaforos pro meu lado/ fico admirado por incomodar-te assim/ jamais pensei/ que pensasses em mim”.

Em As Caravanas não falta nem uma faixa dedicada ao, digamos, viril esporte bretão, Jogo de Bola, com uma letra que chuta as patrulhas pra escanteio, na letra e melodia plenas de firulas e trivelas, jogando pra torcida em versos que lembram o craque húngaro Ferenc Puskás “Viva a galera, viva às maria-chuteira/ cujos corações incandescias/ outrora, quando em priscas eras/ Um Puskás era/ a fera das feras na esfera”.

Surpresa mesmo em As Caravanas só Massarandupió. Chico colocou letra na melodia do neto, Chico Brown, que, aos 21 anos, revela-se com o talento de criar beleza melódica e requinte harmônico à altura da obra do avô. No mais, Chico Buarque não inventa, nem se reinventa. Continua o mesmo, lírico, bem humorado, e super bem acompanhado por um time impecável de músicos.

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