DELÍRIO

Action Lekking: Negro Leo e a emergência de um 'Brasil lelek'

Músico maranhense capta as transformações do Brasil pós-transferência de renda e de fenômenos sociais como rolezinho e cotas

GG ALBUQUERQUE
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GG ALBUQUERQUE
Publicado em 25/09/2017 às 10:01
Foto: Rogerio Von Kruger
Músico maranhense capta as transformações do Brasil pós-transferência de renda e de fenômenos sociais como rolezinho e cotas - FOTO: Foto: Rogerio Von Kruger
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Em Meus Filhos, Meu Tesouro (1976), Jorge Ben retratava as aspirações das classes populares que sonhavam em ser “jogador de futebol” ou “dona de casa atuante ou mulher de milionário”. Décadas depois, Jorge Ben foi o motor de Negro Leo em seu novo álbum, Action Lekking. Com referência ao funk viral do Passinho do Volante (Ah lelek), o trabalho capta a emergência de uma “outra sensibilidade” no Brasil do pós-processo de transferência de renda.

“A ação de fazer algo encerra-se em si mesma. E ao mesmo tempo em que é um negócio altamente concreto, é absolutamente abstrato. Pensa por exemplo na escrita automática e no action painting do Jackson Pollock. Então pensei nisso: a ação do lek. Ela é concreta e se manifesta na realidade através de todos os movimentos que a gente acompanhou (como rolezinho, passinho, ostentação, as cotas) e aconteceram no bojo da transferência de renda. Então eu liguei o ‘action lekking’ e as expectativas do homem comum, que não podem ser amesquinhadas por um projeto revolucionário total e idealizado – algo que não se produziu efeito em nenhum momento da história quando tentado. A jogada passa por pensar essas expectativas concretas, ligando com o Jorge Ben do Meus Filhos, Meu Tesouro”, explica Negro Leo.

A reflexão acerca destes movimentos sociais não implica, porém, numa tentativa furada de mimese. Leo dispensa tocar funk e, por razões afetivas, escolhe o violão, aproximando-se do Água Batizada, seu elogiado álbum anterior. “Estes dois discos acho que são uma dialogia. Tem a ver com o fato de que são discos ligeiros, não tem uma complicação muito grande pra entrar naquele universo. Todo mundo que ouviu música dos anos 60 e 60 de rádio vai penetrar naquilo ali e fruir fácil. Tinha um projeto de um alcance maior do campo MPBzístico. Preciso ganhar dinheiro, né?”, comenta.

Apesar da sonoridade polida, a música de Leo permanece confrontativa. Maranhense de Pindaré Mirim (atualmente vivendo em São Paulo ao lado de sua companheira de arte e vida Ava Rocha) e autodefinido como “um cara de ação”, ele coloca a action lekking, a resistência dos leks como um delírio particular e subjetivo em um “Brazyl que não viu o óbvio”. Diante da hegemonia neopentecostal, Leo apresenta o anarcogospel Eu Não Sou Deste Mundo. O Pato Vai ao BRICs, com letra de Jefferson Plácido, por sua vez, é uma “homenagem” ao famigerado pato da Fiesp.

Dançar dançando

O poeta parnasiano Olavo Bilac uma vez definiu a música brasileira como uma “flor amorosa de três raças tristes”. Descolonizando essa visão idealizada de uma democracia racial, o disco é marcado, sobretudo, pela alegria. E não a alegria como uma “alienção” mas sim enquanto vontade de potência. Não à toa Jorge Ben foi o ponto de partida: “Eu pensei nele como uma espécie de leão de chácara, de bastião da alegria brasileira”, pontua.

Afinal de contas, action lekking, é, como ele define no texto de apresentação do álbum, o prazer primeiro e último naquilo que se faz. Não é expiação, nem sofrimento – mas também não é bambolê. Ou como diria Jorge Ben, é dançar dançando.

“Às vezes é a má consciência que leva a gente a agir de maneira em prol do outro. E não deve ser assim. A gente vê o Criança Esperança, por exemplo, é uma ação de marketing brutal em cima da má consciência. Não é isso que a gente tá atrás. É o delírio total, essa que é a minha. É menos pensar e mais criar ligações com tudo isso que tá rolando. Por exemplo: acabei de gravar um clipe com o Fezinho Patatyy, que é um cara que faz o passinho do romano, excelente dançarino, genial. E ele me disse: ‘Cara, eu tô interessado em fazer essas coisas malucas diferentes do meu rolê’. Eu falei: ‘Eu também tô’. A jogada é criar essas conexões e ver o que pode surgir”, conclui Leo.

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