50 Anos

Paixão de Cristo de Nova Jerusalém foi inspirada em espetáculo alemão

Cidade de Oberammergau encena a Paixão desde 1634

Márcio Bastos
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Márcio Bastos
Publicado em 10/04/2017 às 22:09
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Cidade de Oberammergau encena a Paixão desde 1634 - FOTO: Reprodução
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Certo dia, lendo a revista Fon Fon, periódico que circulou na primeira metade do século 20, Epaminondas Mendonça entrou em contato com uma tradição que chamou sua atenção. Em Oberammergau, na região alemã de Baviera, a encenação do último ciclo da vida de Jesus Cristo tomava as ruas da cidade e atraía turistas das regiões vizinhas. Foi então que o empresário e político teve a ideia de transpor a tradição para o Agreste pernambucano, a fim de movimentar seus negócios e entreter os habitantes do pequeno distrito.

Durante a Idade Média, quando o poder e influência da Igreja Católica atingiram um de seus auges e grande parte da população era analfabeta, as encenações eram uma das formas mais utilizadas de evangelização. Baseadas na liturgia cristã, essas encenações foram adquirindo cada vez mais incrementos, principalmente no que diz respeito aos textos, e o interesse da população pela trajetória Jesus, mais do que nos rituais em si, criou uma demanda por desdobramentos.

Uma das Paixões de Cristo mais emblemáticas do mundo, a encenação de Oberammergau foi apresentada pela primeira vez em 1634. Sua origem está ligada a uma promessa feita pelos habitantes da cidade. Assombrados com o avanço da peste bubônica, também conhecida como peste negra, que assolou a Europa à época, eles prometeram que, caso Deus os poupasse, iriam levar às ruas uma encenação sobre os últimos dias de Cristo. Com a queda na mortalidade nos meses seguintes, os habitantes acreditavam ter recebido um milagre.

Desde então, o espetáculo é apresentado quase ininterruptamente, ocorrendo a cada dez anos. A próxima apresentação do espetáculo acontecerá em 2020. A obra é considerada por seus criadores como “o maior espetáculo amador do mundo” e, para as futuras apresentações (serão 102 no total), são esperadas cerca de 450 mil pessoas, sendo a metade delas estrangeiros. Em cena, apenas atores locais, devido a uma lei do município.

O impacto econômico também é importante para a cidade: várias melhorias, como construção de centro comunitário e áreas públicas de lazer, são financiados com o lucro do espetáculo.

O PALCO E A FÉ NO BRASIL

No Brasil, a chegada do teatro está ligada intrinsecamente à religião. Os jesuítas utilizavam as encenações como um dos mais efetivos meios de evangelização dos nativos. Essas apresentações ocorriam, principalmente, durante os períodos festivos da Igreja, como a Páscoa e o Natal.

Apesar das apresentações de O Drama do Calvário, a partir de 1951, em Fazenda Nova, e posteriormente a Paixão de Cristo de Nova Jerusalém, estruturarem de forma sistemática a cultura da Paixão em Pernambuco, outros espetáculos já abordaram o tema no Estado.

“É possível traçar peças de caráter religioso desde o século 18, no Recife. Em 1939, tivemos montagem grandiosa, Jesus, um melodrama do dramaturgo e maestro Felipe Caparrós, um espanhol, com o grupo Gente Nossa, que estava sob administração de Valdemar de Oliveira. Foi uma megaprodução no Teatro Santa Isabel que ficou muito tempo em cartaz. Além disso, era comum, na época da Semana Santa, que grupos montassem peças que aludissem às questões bíblicas”, aponta o pesquisador Leidson Ferraz.

Segundo o estudioso, o apoio do poder público às apresentações de Fazenda Nova, com a locomoção de turistas e a articulação com grupos de teatro de Caruaru e do Recife (anteriormente, quase todos os participantes eram da família Mendonça e do próprio distrito), o exemplo de Nova Jerusalém começou a ser replicado em outras cidades (ver vinculada). Essa influência se intensificou ainda mais após a construção de Nova Jerusalém, em 1968.

“Fazenda Nova instigou outros artistas a criarem em suas cidades, o que é sempre muito bom. Alguns se limitaram aos moldes do que viram, enquanto outros tentaram inovações. Tivemos exemplos muito ousados, como a de Cabo de Santo Agostinho, que tem caráter muito político e de crítica social, e a de Arcoverde, extinta, que causou polêmica por tratar de tabus na época, como o papel da mulher e aborto”, reforça.

 

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