O Grupo Vivencial foi responsável por uma das maiores transformações do teatro pernambucano. Nos anos 1970, o coletivo de artistas enfrentou a caretice e a opressão da ditadura com talento, criatividade e desbunde. Fez das adversidades um impulso para produzir, sempre ressaltando com orgulho sua identidade colorida, irônica e anti-patriarcal. Envolvido com o grupo desde a adolescência, Henrique Celibi incorporou como poucos essa essência e ajudou a mantê-la viva. Falecido na quinta-feira (11), aos 53 anos, em decorrência de um acidente doméstico, o artista múltiplo deixa um legado inestimável para as artes cênicas locais.
Socorrido no final da noite de quarta-feira (10), após o que se supõe ter sido uma queda em casa que provou um grave ferimento, Celibi foi levado à UPA de Olinda. O artista, no entanto, não resistiu a duas paradas cardíacas, falecendo na madrugada de ontem. A notícia deixou a cena artística do Estado em choque, tanto pela influência do trabalho dele, quanto pela estima que conquistou ao longo de sua vida. O velório acontecerá às 13h e o enterro às 16h, desta sexta-feira (12), no Cemitério de Santo Amaro.
Nascido Valdenou Henrique de Moura, Henrique Celibi demonstrava, desde muito cedo, curiosidade em criar. Filho de costureira, desmanchava escondido suas roupas só para poder refazê-las, como relembrou em entrevista à Revista Continente, em 2015. Esse olhar atento para produzir em cima do já existente, para se valer das privações para desenvolver o belo, viria a ser uma de suas marcas registradas.
Morador da Ilha do Maruim, em Olinda, onde vivia em uma palafita, conheceu o Grupo Vivencial aos 14 anos, começando a auxiliar o grupo aos 15 e finalmente juntou-se ao coletivo aos 16. Após o término da empreitada, continuou vinculado ao teatro e mudou-se para o Rio de Janeiro, onde esteve muito ligado à cena carnavalesca.
Seu texto Cinderela, a História Que Sua Mãe Não Contou, escrito nos anos 1980, virou um sucesso de público nas mãos da Trupe do Barulho e levou milhares de pernambucanos aos teatros ao longo da década de 1990. A parceria com Jeison Wallace floresceu e resultou em vários espetáculos, como As Filhas da P e A Casa de Bernarda e Alba.
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Continuou atuante até os últimos momentos, tendo reestreado, recentemente, a peça As Perucas de Bibi. Preparava também um novo espetáculo ao lado dos amigos Américo Barreto e Fábio Costa. Intitulado Celibi’s Show, seria um monólogo sobre sua vida e estava com estreia prevista para este ano.
“Apesar de várias coisas que aconteceram na vida dele, nem sempre fáceis, ele sempre dava um tom de alegria a tudo e no espetáculo tratávamos dessa capacidade de superação com bom humor, brilho”, explica Américo.
Também está em produção o documentário Henrique – O que faz Celibi, sobre a vida do artista, dirigido por Luís Bringel, Brunna Martins e Sandra Rodrigues.
DEPOIMENTOS
Jeison Wallace, ator
Quando conheci Celibi, no final dos anos 1980, tivemos uma pequena rusga. Cheguei atrasado a um espetáculo e ele não me deixou entrar. Na época fiquei chateado, mas depois entendi que aquilo era um sinal do respeito que ele tinha com o teatro. Era uma pessoa extremamente profissional e que entendia a razão do teatro, que é entrega, dedicação. Quando li Cinderela pela primeira vez, fiquei encantado. Quando ele viu a montagem da Trupe do Barulho, adorou e, a partir de então, firmamos uma parceria intensa, com ele escrevendo e eu dirigindo. Era um profissional e um amigo muito querido. A ficha ainda não caiu.
Leidson Ferraz, ator e pesquisador
Ele era um artista muito presente no teatro, tanto como espectador, com um olhar muito crítico, quanto como artista. Era uma pessoa de múltiplas qualidades: diretor, ator, dramaturgo, produtor, aderecista, figurinista. Um cara que nunca ficou quieto achando que sabia tudo. Celibi tinha uma habilidade formidável de transformar materiais recicláveis em arte. Era um cara criativo, inquieto, inteligente. Purpurina pura.
Américo Barreto, ator
A mãe dele morreu pouco tempo depois de ele entrar no Vivencial. Celibi tinha 16 anos e eu e Fábio [COSTA]viramos espécies de tutores dele. Era uma pessoa que tinha um poder de superação enorme, energia muito grande e nos colocava contra a parede dizendo que nós precisávamos sair da cadeira de balanço e agitar. Tinha uma energia enorme e sobreviveu a praticamente sozinho. O Vivencial foi o berço dele e o teatro o seu maior ensinamento.
Luís Reis, professor e dramaturgo
Ele era um homem que sabia como poucos o poder de comunicação do teatro. Ele sabia falar para um público muito amplo, haja vista essa capacidade extraordinária que tem o alcance do universo da Cinderela. [HENRIQUE]era um profundo conhecedor da alma humana e do espírito do Recife e isso é o que mais me impressiona na sua dramaturgia, além de ser um artista múltiplo e um ser humano fantástico.
Ana Farache, fotógrafa e coordenadora da Fundaj
Ele era uma pessoa muito querida. Convivemos bastante nos anos 1970, durante a época do Vivencial e registrei muitos momentos dele, sempre alegre, com um gosto grande de viver. Recentemente, nos reaproximamos e estávamos pensando em projetos, como um documentário sobre o grupo. Era uma pessoa muito talentosa, criativa, forte. Era persistente, lutando contra todos os preconceitos, contra a ditadura militar e sempre conseguiu colocar a arte dele com muita alegria, o que é algo raro, principalmente hoje em dia, quando as pessoas estão muito agressivas, sem ver graça na vida.