Vinte anos após ser estuprada, aos 16 anos, em 1996, a islandesa Thordis Elva decidiu marcar um reencontro com o seu abusador e escrever um livro com ele. A história, improvável e inusitada, vem criando polêmicas e suscitando discussões sobre o tema no País. Na época do ocorrido, ela e Tom Stranger, o abusador, eram namorados.
Os dois estavam juntos há cerca de um mês, quando decidiram experimentar rum pela primeira vez. Ela, com 16 anos, e ele, 19. Embriagada, a jovem viu a alegria pelo começo do romance se transformar em horror enquanto ele se aproveitava de sua fraqueza. Ela recorda que o então namorado a colocou na cama e começou a tirar suas roupas.
“Meu pensamento estava mais claro, mas meu corpo ainda estava fraco demais para lutar, e a dor era tão forte. Eu achei que fosse ser rasgada ao meio”, relembrou. “Para me manter sã, eu contei silenciosamente os segundos no meu relógio de cabeceira. Desde aquela noite eu sei que tem 7.200 segundos em duas horas”, conta.
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Thordis afirma que não quis denunciar o caso, apesar dos impactos físicos e psicológicos sofridos.
"Eu tinha 16 anos e estava apaixonada pela primeira vez na vida. Fiquei machucada e chorei muito por semanas, mas tudo era muito confuso para mim. Tom era meu namorado, não um lunático. E o estupro ocorreu na minha cama, não em uma viela. Quando finalmente concluí que havia sido estuprada, Tom já tinha voltado para a Austrália, ao final de seu programa de intercâmbio", relembra.
Nove anos após o estupro, ela decidiu entrar em contato com o abusador através de uma carta. Pela legislação da Islândia, nesse tempo, o crime já tinha prescrito. Ele respondeu confessando o episódio e afirmando que diria "o que fosse necessário". Os dois resolveram escrever um livro juntos para relatar o estupro e, segundo eles, mudar a visão da sociedade sobre a violência sexual, vista apenas como uma questão feminina.
“Tenho vagas lembranças do dia seguinte. Eu rejeitei a verdade convencendo-me de que era sexo e não estupro. Foi uma mentira da qual me senti culpado. Dizer a Elva que eu a estuprei mudou o acordo que eu havia feito comigo mesmo, assim como o dela. Ninguém deve subestimar o poder das palavras", contou Stranger, que diz enxergar no livro uma forma de encontrar o perdão.
“Mas o mais importante, a culpa da Elva foi transferida pra mim. Muitas vezes, a responsabilidade é atribuída a mulheres sobreviventes de violência sexual, e não aos homens que a cometeram. Fui criado em um mundo onde as meninas são informadas de que foram estupradas por alguma razão. Sua saia era muito curta, seu sorriso era muito grande, sua respiração cheirava a álcool. Mas eu era o culpado de todas essas coisas. Então, a vergonha tinha que ser minha", acrescentou ele.
Os dois agora participam de eventos ao redor do mundo e compartilham suas experiências sobre o estupro em uma palestra para a plataforma "TED". No vídeo de 19 minutos, disponível no site da organização, eles contam como foram impactados pelo caso. Intitulado “South of Forgiveness”, o livro escrito pela dupla sobre a experiência tem lançamento marcado para março. deste ano. Uma das palestras realizadas por Thordis e Stranger, em outubro do ano passado, foi assistida por quase 3 milhões de pessoas.
Críticas
Neste mês de março, durante um evento em Londres, os dois enfrentaram críticas de manifestantes que enxergam nessas aparições um gatilho emocional para vítimas de estupro.
Durante a apresentação, grupos de defesa dos direitos da mulher promoveram um protesto em frente ao local do evento, gritando e exibindo faixas com dizeres como "Um estuprador está aqui, lucrando com seu crime".
A organização se defendeu afirmando que o debate era "importante demais para ser silenciado".
"O estupro é um assunto crucial e precisamos mudar um pouco a discussão em torno dele, que muito frequentemente se foca mais nas vítimas do que nos agressores", disse, em comunicado oficial, a diretora artística do Southbank Centre, local onde a palestra seria ministrada. Sobre esse ponto, Stranger declarou que recebe uma parte minoritária do dinheiro das vendas do livro, mas prometeu repassar esses valores a ONGs envolvidas com vítimas de violência sexual.