A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), o Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) e dezenas de organizações da sociedade civil reivindicaram, em audiência pública na Câmara dos Deputados, o cumprimento das recomendações feitas pelo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas ao Brasil, no processo de Revisão Periódica Universal (RPU).
“O Estado e a sociedade brasileira devem acolher essas recomendações e implementá-las de forma universal”, defendeu o presidente do CNDH, Darci Frigo. Para ele, “não podemos dar nenhum passo atrás na garantia dos direitos humanos”.
A RPU é um mecanismo que determina que todos os Estados-membros da Organização das Nações Unidas (ONU) sejam submetidos, a cada quatro anos e meio, a uma análise da situação dos direitos em seus territórios.
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Em maio deste ano, foi apresentado o relatório do grupo que analisou o caso do Brasil. Ao todo, 246 recomendações foram apresentadas ao país, como limitar o uso da força policial em protestos; garantir serviços básicos à população; adotar medidas para combate à extrema pobreza, às desigualdades econômicas e à discriminação de gênero, etnia e religião; responsabilizar empresas envolvidas em crimes ambientais, e ratificação de pactos internacionais, entre eles o Tratado de Comércio de Armas e a Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e Membros das suas Famílias.
Na audiência na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, a procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, destacou que a adoção de algumas medidas no país, como o congelamento de recursos para políticas sociais, podem prejudicar a garantia dos direitos humanos.
Reforçando a necessidade do acolhimento das recomendações, a procuradoria encaminhou ao Ministério dos Direitos Humanos uma nota na qual afirma que são importantes, “especialmente em razão do grave quadro de retrocessos em direitos humanos que vive o Brasil, e que vem crescendo progressivamente”.
Povos indígenas
Integrantes de povos indígenas relataram casos de violações de direitos, por meio da violência física ou projetos de lei que colocam em risco direitos garantidos na Constituição Federal. Em alusão ao Dia Internacional dos Povos Indígenas, celebrado nesta quarta (9), o representante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Paulino Montejo, avaliou que “tem havido um avanço significativo no direito internacional de reconhecimento dos direitos dos povos originários, mas o Brasil, até o momento, está caminhando na contramão da história”.
Das 246 recomendações, 34 tratam especificamente da garantia dos direitos indígenas: avanço na demarcação das terras; proteção das lideranças e fortalecimento da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama).
Segundo o representante da Rede Cooperação Amazônica, Luís Donizete, o governo brasileiro afirmou, na sabatina na ONU, que tem garantido esses direitos. Diante disso, ele disse esperar “a manutenção do discurso, o que obriga o governo brasileiro a aceitar, sem ressalvas, todas as recomendações feitas nessa temática. E na sequência a gente espera o cumprimento das recomendações de forma participativa, transparente e democrática”.
Manifestações
Em relação ao direito de se expressar e manifestar, a representante da organização Artigo 19, Camila Marques, disse que o "Brasil vive um cenário de barbárie e de massacre dos direitos humanos no contexto das manifestações sociais”. Ela defendeu a adoção da recomendação que trata da ação policial em protestos, que propõe um protocolo padrão para as ações dos policiais, a exemplo do uso de armas e a abordagem dos manifestantes.
No mesmo sentido, o fim da criminalização dos movimentos sociais e a necessidade de políticas de proteção de defensores de direitos humanos foram defendidos pelo representante da Justiça Global, Antônio Neto. “Em 2016, 65 defensores de direitos humanos foram assassinados no Brasil e a tendência é que esse número aumente em 2017. Já chegamos a 56 mortes de pessoas assassinadas no campo”, lamentou.
Governo
O Brasil tem até o dia 25 de agosto para enviar a resposta à ONU. Depois, o país voltará a ser sabatinado em Genebra, em setembro. Representante do Ministério dos Direitos Humanos, Akemi Kamimura, afirmou que o governo já se manifestou no sentido de acolher as recomendações que dizem respeito à pasta e que tem discutido o desenvolvimento de ações para concretizá-las.
Kamimura também informou que o documento com todas as recomendações é objeto de consulta pública, por meio do qual toda a população que tem acesso à internet pode manifestar a opinião sobre a adesão ou não das medidas propostas. A consulta fica aberta até o dia 11 de janeiro.
Esta é a terceira RPU à qual o Brasil é submetido. As outras duas foram feitas em abril de 2008 e em maio de 2012. Nesta, o Brasil recebeu 170 recomendações, das quais 159 foram acatadas integralmente e dez parcialmente. Apenas a proposta relacionada à descriminalização do aborto foi rejeitada.
Na revisão em andamento, a única medida criticada pelas organizações presentes na audiência foi proposta pelo Estado do Vaticano e trata da composição familiar em uma perspectiva conservadora, o que, na opinião dos participantes, vai de encontro ao entendimento formalizado no Brasil acerca da união entre pessoas do mesmo sexo.
Chefe da Divisão de Direitos Humanos do Ministério das Relações Exteriores (MRE), Pedro Saldanha, avaliou que o aumento no número de recomendações segue tendência verificada em outros países e expressa uma maior preocupação com os direitos humanos. Ela destacou que a audiência desta quarta-feira “é de extrema importância” e se comprometeu a manter o diálogo “sobre cada passo que for dado nesse processo relativo à RPU, não só sobre a reação do Estado brasileiro, mas também sobre o processo de implementação” das propostas.