Ante a intervenção iminente da autonomia catalã por parte de Madri, as dúvidas assolam o governo regional da Catalunha, onde alguns querem que o presidente Carles Puigdemont convoque logo eleições invés de declara a independência unilateralmente.
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Na sexta-feira, em Madri, o Senado espanhol deve aprovar uma bateria de medidas sem precedentes em 40 anos de democracia, com as quais o governo de Mariano Rajoy quer liquidar o desafio separatista das autoridades catalãs.
Nesse dispositivo, amparado pelo artigo 155 da Constituição, está o bloqueio do governo de Puigdemont, a convocação de eleições regionais em um prazo máximo de seis meses e a tomada de controle da polícia catalã.
Isso inaugurará um cenário inédito, no qual a grande dúvida é se o governo de Rajoy seria capaz de conduzir a situação na Catalunha.
A resistência viria de várias frentes, tanto das ruas, onde os separatistas estão muito mobilizados, como das instituições, onde seria exposto no dia a dia o boicote de milhares de funcionários públicos.
Ante este panorama caótico são muitos os membros do governo catalão que pedem a Puigdemont que antecipe as eleições, na esperança de evitar o que as fileiras separatistas chamam de "liquidação" do governo, indicou à AFP uma fonte do governo. Puigdemont, no entanto, ainda avalia as opções.
"Ele está consciente das consequências de tudo", tanto da aplicação do artigo 155, como da convocação de eleições, o que implicaria acatar a ordem constitucional que Puigdemont precisamente quer romper, explicou a fonte.
Até agora Puigdemont vem repetindo que se deve respeitar o "mandato" do referendo ilegal de autodeterminação realizado em 1o. de outubro, em que, segundo o governo, 90% dos votos pediram a separação, com 43% de participação popular.
Rajoy firme
A pressão sobre o dirigente catalão também vem por parte do Partido Socialista, que acertou com Rajoy as medidas do artigo 155 e reiterou nesta quarta que as eleição são uma forma de saída da crise.
"Se Puigdemont aceitar convocar as eleições dentro do marco constitucional, não cabe nem política nem juridicamente a aplicação do artigo0 155", afirmou a porta-voz socialista, Margarita Robles.
Na semana passada, o próprio governo central mostrou a Puigdemont essa possibilidade, mas sua posição parece ter endurecido, como demonstra as declarações de Rajoy nesta quarta no Parlamento.
Respondendo a um deputado nacionalista catalão, que pediu para "frear a repressão representada pelo artigo 155", Rajoy disse que esta disposição "é a única resposta possível para restaurar a legalidade na Catalunha".
Puigdemont, que milita pela causa separatista há décadas, quando esta opção política era ainda marginal na Catalunha, deve também deve decidir se vai ou não ao Senado explicar por que se opõe à intervenção do autogoverno regional.
Poderá fazer isso na sexta-feira, ou mesmo na quinta, quado também está prevista uma reunião do Parlamento, que discutirá a aplicação do artigo 155.
Grupos de resistência da autodeterminação catalã marcaram para esta quarta uma marcha até a câmara catalã como medida de pressão para exigir uma declaração unilateral de independência.
A iniciativa surgiu dos chamados Comitês de Defesa do Referendo, criados nos bairros e municípios para coordenar a resistência cidadã ante a tentativa de Madri de impedir a votação de 1o. de outubro passado.
Também estão sendo preparadas mobilizações de duas grandes associações separatistas, a Assembleia Nacional Catalã e a Òmnium Cultural.
Catalunha francesa se organiza em solidariedade ao vizinhos do Sul
A Catalunha francesa, batizada assim pelos catalães, cria nesta quarta-feira um grupo para "organizar e coordenar a solidariedade" com os vizinhos do Sul, agora que o governo espanhol se prepara para uma intervenção na autonomia catalã.
A primeira reunião do grupo, batizado como Comitê de Solidariedade Catalã, acontecerá nesta quarta-feira na cidade francesa de Perpignan.
"Há uma solidariedade espontânea com os catalães e acontecem muitas iniciativas", disse à AFP Pierre Manzanares, membro da Òmnium Cultural, a principal associação cidadã e cultural da Catalunha, e uma das organizadoras da reunião de quarta-feira.
"É urgente que nos organizemos em solidariedade com o Sul", disse Hervé Pi, coordenador da unidade francesa da ANC (outra associação independentista), "após as agressões, a repressão do Estado espanhol e a falta de reação dos Estados europeus".
Ajuda financeira
Entre as iniciativas contempladas estão ajudas financeiras, com a abertura de uma conta bancária para ajudar os que precisam no caso de detenção, afirmou Pi.
Para Manzanares também é necessário "organizar a recepção das pessoas que estariam ameaçadas".
"Não descartamos receber o governo catalão, nem parlamentares independentistas ou funcionários administrativos que poderiam ser destituídos", disse.
Ativistas pró-independência deste departamento afirmaram na segunda-feira que ofereceriam sua "hospitalidade ao presidente (catalão) Carles Puigdemont para um governo catalão no exílio em Perpignan".
"E por quê não imaginar que, em vista de que Madri ameaça colocar os meios públicos sob tutela, que uma parte dos jornalistas atravesse a fronteira e organize (na França) uma agência de notícias?", questionou Manzanares.
Sentimento de solidariedade ganha força
Hervé Pi indica, no entanto, que a recepção de pessoas que optariam pelo exílio "não está na ordem do dia".
"Mas, se um dia as pessoas forem obrigadas a fugir, estaríamos preparados", destacou.
Na "Catalunha Norte", a parte francesa dos Pirineus, o sentimento de solidariedade em relação aos independentistas catalães parece ganhar força.
Várias manifestações foram organizadas nesta cidade à medida que os eventos aconteciam nas últimas semanas na Catalunha, nordeste da Espanha. No dia 18 de outubro, quase 500 pessoas protestaram contra a prisão de dois líderes do independentismo, Jordi Cuixart, da Òmnium Cultural, e Jordi Sánchez, da Assembleia Nacional Catalã (ANC).
O departamento de Pirineus Orientais integrou a Catalunha durante muito tempo, mas na segunda metade do século XVII passou a ser governado pela França. Muitos republicanos catalães que fugiram da ditadura franquista se refugiaram na região no fim dos anos 1930.