Lava Jato

Deltan Dallagnol: 'O Congresso pode pôr tudo abaixo em uma madrugada'

Deltan afirma que a Operação Lava Jato só conseguiu o sucesso que teve devido a ajuda da sociedade

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Publicado em 23/10/2017 às 9:26
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Deltan Dallagnol, procurador da República e coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba

A caminho do quinto ano, a Lava Jato se aproxima ou se distancia da Mãos Limpas da Itália?

Há semelhanças e diferenças relevantes. Na década de 90, a Mãos Limpas revelou que a corrupção política na Itália estava por todos os lados. A Lava Jato revelou inicialmente um esquema gravíssimo na Petrobrás, mas seu avanço recente acabou por trazer à tona um monstro ainda mais assustador: esquemas semelhantes espalhados em órgãos federais, estaduais e municipais. Partidos e políticos no Brasil, como na Itália da Mãos Limpas, colocam no comando dos órgãos pessoas com a missão de arrecadar suborno. A virtude dessas operações foi um amplo diagnóstico da podridão do sistema político. Contudo, a virtude da Lava Jato é também sua maldição, pois o sistema político concentra o maior poder da República, no Congresso, e sua reação pode enterrar as investigações, como na Itália.

Quando o Congresso enterrou as 10 Medidas Contra a Corrupção e propôs a lei de abuso de autoridade, o senhor falou em ‘revival’ da Mãos Limpas no País.

À medida que a investigação atinge mais políticos e partidos, a coesão dos políticos contra a operação aumenta. Eles tentarão diferentes estratégias para mudar as leis e se livrar das punições. Continuarão tentando difamar a Lava Jato e erodir o apoio popular que a sustenta, o que abriria brecha para o esvaziamento da operação. Uma coisa é desfigurar propostas positivas; outra é, além disso, aprovar mudanças negativas nas mesmas leis. O custo político se tornou bem maior.

O senhor diz que, na Mãos Limpas, o trabalho da procuradoria se perdeu com a contraofensiva dos políticos e o desinteresse do povo. Isso pode ocorrer aqui?

Ainda é cedo para dizer que se verificará por aqui a ampla desconstrução das punições ocorrida na Itália. Contudo, o momento em que vivemos se aproxima muito de um ponto-chave no destino das duas operações. Depois de alguns anos de Mãos Limpas, as investigações estavam se encerrando, embora vários processos ainda estivessem começando. A diferença entre o tempo da mídia e o tempo dos processos judiciais ficou bastante perceptível. A população começou a se cansar da sequência de escândalos e as notícias começaram a se espaçar. Houve uma diminuição do interesse da sociedade italiana pela operação. Nessa mesma época, as investigações já haviam alcançado políticos, que tentaram estigmatizar os investigadores com falsas acusações de abuso, para que fossem vistos pela opinião pública como criminosos. Tudo somado, criou-se clima favorável a mudanças nas leis: condutas foram descriminalizadas, prazos prescricionais diminuíram e políticos corruptos foram anistiados

Com base na Mãos Limpas, o cenário é desfavorável?

Certamente. Contudo, é impossível prever o que acontecerá porque isso depende de um fator que ninguém controla: como a sociedade vai se comportar no futuro. A peculiaridade da Mãos Limpas e da Lava Jato é que elas não revelaram corrupção de um político ou de um grupo, mas de grande parte da classe política. O objetivo da operação é colocar essas pessoas poderosas debaixo da lei, mas há um problema: elas fazem as leis.

Como foi possível a Operação Lava Jato chegar até aqui?

A resposta é simples: o grupo de agentes públicos não avançou sozinho, mas com a sociedade. Numa democracia, a fonte última do poder é o povo. Foi o povo que sustentou a investigação até hoje e, nessa dimensão, ela se trata de um patrimônio nacional. O desafio é manter o apoio da sociedade.

Na Itália fala-se em 20% de absolvições e 40% de prescrições. A Lava Jato espera obter índices mais positivos?

A Lava Jato tem 'tirado água de pedra' ao conseguir resultados significativos dentro de um sistema de justiça criminal que foi feito para não funcionar contra pessoas poderosas. É preciso ainda aguardar os julgamentos do Supremo Tribunal Federal. O Supremo está para decidir, aliás, possível restrição do foro privilegiado que atingiria a maior parte dos políticos investigados. Outro modo de retirar o foro dos investigados é pelo voto, em 2018. Se os investigados não forem reeleitos, passarão a responder perante Varas Federais como a do juiz Sérgio Moro. Tudo isso pode colaborar para que os corruptos respondam pelos seus crimes. Agora, o Congresso pode colocar toda a operação abaixo numa madrugada. Basta a aprovação de um projeto de anistia. Por isso, os resultados da Lava Jato dependem primordialmente de como a sociedade vai reagir a esse tipo de situação.

A corrupção pode piorar no País, se não houver punições?

Com certeza. A responsabilização dos corruptos tem efeito dissuasório. Quanto maiores forem a probabilidade e o montante da punição e quanto mais se recuperar o dinheiro desviado, menos interessante fica se corromper no Brasil. A razão pela qual parlamentares continuam praticando crimes depois da Lava Jato é que as imunidades do cargo e o foro lhes concedem amplas proteções. Agora, é bom dizer que apenas punições não resolvem. É preciso avançar para reformas anticorrupção no sistema político, no sistema de justiça e outras áreas.

Como esperar a participação de investigados nessas reformas?

Há, sim, esperança. Entidades da sociedade civil estão trabalhando num grande pacote anticorrupção que aproveita grande parte das 10 Medidas e vai além, propondo melhorias na transparência, nas licitações, no sistema eleitoral, nas regras de compliance e na educação de crianças e jovens. Outras entidades estão se unindo para fazer em 2018 uma grande campanha anticorrupção. A iniciativa parte do pressuposto de que é importante filtrar, dentre os candidatos, aqueles que tenham um compromisso claro com a causa anticorrupção. Se tiver sucesso, essa campanha será uma forma de proteger a própria Lava Jato. Com uma renovação significativa do Congresso, grande parte dos interessados em esvaziá-la não estará mais lá a partir de 2019.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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