São quase 70 feiras agroecológicas em Pernambuco, mais de 20 delas no Recife, sustentando uma rede de cerca de 1.400 famílias de agricultores e alimentando aproximadamente 14 mil pessoas. A estimativa é do agrônomo e produtor Flávio Duarte, sócio do Centro Sabiá. Há 18 anos, ele foi um dos fundadores da primeira feira do gênero a funcionar no Recife, o Espaço Agroecológico das Graças. De lá pra cá, as iniciativas se multiplicaram e o hábito de acordar cedinho para comprar os produtos se incorporou à vida de muitas pessoas nos bairros ou em feiras menores, “privadas”, dentro de escolas como a Waldorf e a Fazer Crescer ou instituições como a Secretaria Estadual de Educação e o Tribunal Regional do Trabalho.
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Tem público para todo gosto. Dos senhores aposentados que resgatam a tradição de “ir à feira”, perdida ao longo do tempo, aos jovens que “espicham a balada” e compram na sequência das festas. A feira do Carmo, em Olinda, atrai gente como o fotógrafo Fernando Figueiroa, de 28 anos: a partir das 3h30 da manhã, quando o espaço começa a ser montado, é hora de forrar a barriga com pastéis e sucos fresquinhos. Famílias inteiras, com crianças a tiracolo, madrugam nas feiras. A barraquinha de Lenir, nas Graças, recebe fregueses que compram pães e salgados em quantidade, por recomendação médica, para lanchar ao longo semana.
“A alimentação é um campo de exercício da liberdade e de expressão política. Para mim, trata-se de uma cadeia revolucionária de generosidade onde a gente se inclui, como consumidor final. É maravilhoso comprar das mãos de quem plantou, que cuidou de sua comida”, diz Rafaela Valença, 29, que frequenta estas feiras há dez anos e, há três, criou a empresa Avena, onde produz alimentos veganos utilizando vários insumos adquiridos nestes espaços.
Quem frequenta as feiras agroecológicas percebe que a relação entre agricultores e consumidores envolve afeto e cidadania, num patamar impossível de reproduzir em outros ambientes. Nos grandes supermercados há opções orgânicas, a maioria com preço elevado em relação às opções de alimentos expostas a agrotóxicos. Mas a proposta agroecológica vai além do alimento em si. Além do respeito à natureza, o comércio é embasado na confiança, na qualidade e, também, nos preços. O fato é que os alimentos comercializados por meio desta rede geralmente saem mais em conta que os “convencionais” vendidos nos supermercados: foi o que comprovou uma pesquisa comparativa realizada no ano passado, levantando os preços de 15 produtos, como mamão, jerimum, laranja, inhame e ricota.
Para facilitar a compra, existem opções como o site da Comadre Fulozinha, que tem seis mil clientes cadastrados, dezenas de opções de produtos locais e de todo o Brasil, que vão de folhagens produzidas por agricultores pernambucanos, pães, oleaginosas e outros produtos especiais, e até frutas como maçã e caqui orgânicos. A empresa entrega em toda a região metropolitana. Isso, porém, elimina um pouco da graça que existe no contato direto. Dentro da rede agroecológica há uma relação de solidariedade entre os produtores, que se ajudam mutuamente e tomam decisões de forma coletiva, e também com os consumidores. No início da feira das Graças houve uma situação que vai de encontro ao lugar-comum das relações de mercado: pessoas adquiriram “vales”, emprestando dinheiro para os agricultores na entressafra e viabilizando a produção futura. Ir à feira, nesse contexto, alimenta a alma por tabela. Que o diga o agricultor Rafael Justino, que traz a sanfona junto com os produtos de sua banca e encerra os encontros, todo sábado, tocando forró pé-de-serra junto com os clientes.
FAST-FOOD SAUDÁVEL
Uma outra tendência que vem crescendo no Recife é a oferta de comida natural, muitas vezes vegana (sem ingredientes de origem animal). Os produtos são consumidos por quem é defensor dos direitos dos animais, por quem considera que fazem bem à saúde e até por quem, simplesmente, tem fome e aprecia o sabor. Alternativas à carne, ao leite e ao ovo aparentemente estranhas, como “carne” de jaca verde, de caju e de mangará de bananeira, “leites” vegetais de aveia e amêndoa e “clara” de linhaça e agar-agar, transformam-se em comidinhas que agradam ao paladar geral.
A Avena, da olindense Rafaela Viana, vende trufas, tortas, docinhos e outras comidas artesanais “de verdade”, sem aditivos químicos, e dá aulas de culinária. Outro bom exemplo é a empresa Juju Vegan, formada por sete voluntários. À frente de um abrigo para animais com necessidades especiais, a venda de alimentos começou para arrecadar dinheiro para o tratamento dos bichos (incluindo Juju, um gatinho paraplégico) e, também, divulgar o veganismo.
A designer Chyrllene Albuquerque, 26, está à frente do projeto e explica que a ideia é fazer com que os produtos se assemelhem aos “normais”, tanto na aparência como nos preços, que são propositadamente acessíveis. Toda terça e quinta, uma banquinha montada próximo ao Centro de Artes da UFPE vende delícias como coxinha de jaca e cupcake de banana com cacau e docinhos, os quais se esgotam em poucas horas. A clientela crescente, inclusive para festas infantis, já levou à construção de um espaço maior e à terceirização dos produtos em lanchonetes em Olinda e no Recife.