Após 50 anos, obra rara de Osman Lins retorna com reflexões atuais sobre a escrita
"Guerra sem Testemunhas: o escritor, sua condição e a realidade social", um ensaio profundo e provocador sobre o ofício do escritor, ganha reedição

"Caminha o livro para a extinção ou está mais vivo do que nunca?". Essa pergunta, tão inquietante quanto perene, foi lançada por Osman Lins (1924-1978) no final da década de 1960.
Ainda hoje, ecoa com a força de uma provocação necessária, ilustrando a atualidade de "Guerra sem Testemunhas: o escritor, sua condição e a realidade social", ensaio que o escritor pernambucano publicou em um contexto de profundos abalos culturais e que retorna ao debate público meio século depois.
Originalmente lançado no fim dos anos 1960 e reeditado em 1974, o livro tornou-se uma raridade - não apenas por sua ausência nas prateleiras, mas pela singularidade de seu conteúdo.
Em "Guerra sem Testemunhas", Osman Lins examina, com precisão e coragem, a condição do escritor e o impacto de sua criação em um mundo marcado por contradições sociais e culturais. É uma obra repleta de questões desafiadoras e inquietantes, que não se furtam ao incômodo e permanecem ressoando.
Nova edição para novos tempos
Com o centenário do artista, o ensaio ganha nova vida por meio de uma edição conjunta da Companhia Editora de Pernambuco (Cepe) e da Editora da Universidade Federal de Pernambuco (EdUFPE). O lançamento será nesta sexta-feira (24), no Museu do Estado de Pernambuco, no bairro das Graças, no Recife.
Sob a organização de Fábio Andrade - escritor, crítico literário e professor da UFPE, além de especialista na obra de Osman Lins —, a edição traz um olhar renovado sobre o livro.
Andrade contribui com uma apresentação que estabelece diálogos entre o pensamento crítico do autor e a contemporaneidade, além de enriquecer o volume com notas que destacam as conexões entre o ensaísta e sua produção ficcional.
"O maior desafio desta nova e terceira edição foi manter o texto o mais próximo possível de como ele foi concebido pelo autor, criando um diálogo com o leitor através das notas, mas sem transformar o livro num objeto de especialistas", diz, ao JC.
Reflexões
Em "Guerra sem Testemunha", Osman Lins propõe reflexões sobre o processo criativo, a crítica literária, a circulação de livros, os leitores e as dinâmicas do mercado editorial.
Também aborda as dificuldades na publicação, como a morosidade das editoras na análise de originais, e questiona a remuneração dos escritores, atrelada ao número de exemplares vendidos em vez da tiragem.
Além disso, critica a ausência de reedições de obras esgotadas, especialmente de autores em início de carreira, evidenciando os entraves que cercam a trajetória literária.
Atualidade de Osman Lins
Para Fábio Andrade, a reedição contribui para o debate público sobre a literatura na atualidade.
"É possível dizer que se trata de um livro incomum até hoje. A mistura de gêneros diversos, a fusão radical entre crítica e criação, a elaboração de um a visão particular sobre os desafios de se fazer literatura no Brasil. Esses são alguns dos motivos que conferem grande singularidade ao livro, misto de ensaio e criação", diz.
"Para além disso tudo - que já é muito - uma defesa contundente da liberdade do escritor no período mais duro de nossa história recente, afirmando com coragem e firmeza que a liberdade é o habitat natural da criação artística", continua.
O organizador ressalta que o paralelo da obra com o nosso tempo é "é completamente viável". "Num tempo de verdades encasteladas - que é o resultado de toda polarização extrema - não há espaço para o pensamento verdadeiro, que é sempre inquieto, insatisfeito", reflete.
"O problema da censura, por exemplo, que andou rondando obras literárias de autores brasileiros contemporâneos, foi enfrentado de maneira rigorosa por Osman Lins em seu ensaio. A batalha que o escritor travava, ainda perdura: é contra a mortificação da vida em formas desgastadas e mumificadas de linguagem, de pensamento. Criar é sempre, deve ser sempre uma afirmação da liberdade".
Legado literário
Osman Lins construiu um legado que transita entre o romance, o conto, o teatro e o ensaio. Entre seus títulos icônicos estão "Avalovara", "O Visitante", "Nove, Novena" e "Lisbela e o Prisioneiro", revelando um escritor que explorava múltiplos ângulos da existência humana.
Com "Guerra sem Testemunhas", ele reforça sua marca como um pensador inquieto e essencial, capaz de provocar, inspirar e questionar os limites e os alcances da literatura em nosso tempo.
SERVIÇO
Lançamento de Guerra sem Testemunhas: o escritor, sua condição e a realidade social. Haverá bate-papo entre Fábio Andrade e o professor Eduardo César Maia
Onde: Museu do Estado de Pernambuco (Avenida Rui Barbosa, 960, Graças, Recife-PE)
Quando: sexta-feira (24), das 19h30 às 21h30
Preço: R$ 70 (impresso)