O futebol de Bob Dylan

Ramon Andrade
Ramon Andrade
Publicado em 24/05/2011 às 11:10


Por Roberto Vieira

Do Blog do Roberto

"Oh, set me down on a television floor

I'll flip the channel to number four

Out of the shower comes a football man

With a bottle of oil in his hand

(Greasy kid stuff

What I want to know, Mr. Football Man, is

What do you do about Willy Mays

Martin Luther King

Olatunji)."


'I Shall be Free' - Bob Dylan, 1963


Lançado no dia 27 de maio de 1963, pouco antes da explosão dos Beatles atingir os EUA, pouco antes do assassinato do presidente Kennedy, pouco depois de Dylan completar 22 anos, o álbum Freewheelin' é a primeira obra de arte da história do rock, embora possua muito mais de folk que de rock propriamente dito. Abrindo com a memorável 'Blowin' in the Wind', passeando pela emblemática 'Masters of War', sacramentando a todos com 'A Hard Rain's a-Gonna Fall', Freewheeling' se encerra nos acordes de 'I Shall be Free', onde Dylan pergunta a um jogador de futebol americano:


"Senhor Jogador de Futebol, o que você vai fazer sobre Martin Luther King?"


Aos 22 anos, Dylan tinha a idade de Pelé, bicampeão do mundo em 1962; Pelé tão negro como Martin Luther King. Dylan talvez perguntasse a Pelé, saindo ensaboado do banho no Maracanã para apertar as mãos de Robert Kennedy:


"What I want to know, Mr. Football Man, is what do you do about Martin Luther King?"


Aos que imaginam em Dylan apenas o grande poeta americano do século XX, rebelde e alheio ao demasiadamente humano, basta lembrar que seu nome completo traz consigo as raízes judaicas, nunca afastadas demasiadamente do preconceito e do humano.


Enquanto o futebol brasileiro se consagrava mundialmente, contraponto esportivo ao revolucionário cenário musical que criticava Vietnãs, ditaduras, golpes de estado, racismo, conservadorismo, autoritarismo e subserviência feminina, Dylan derrubava com seus versos a dinastia inaugurada por Elvis Prestley, quando decidiu vestir o uniforme militar na ocupação americana na Alemanha.


Porque Eusébio e Pelé, e demais ídolos do futebol, sintetizavam a tranquilidade dos senhores da guerra. Porque Dylan manifestava a ânsia de liberdade intelectual de cada homem. Porque os jogadores achavam que revolucionário era o drible de corpo.


Para grande maioria dos craques, o futebol liberta o homem através da sua conta bancária.


Será?


Ou será que o futebol apenas introduz o ser humano na cadeia rudimentar do capitalismo que cega tudo que é humano? Neurônios e grana?


Nos anos que se seguiram, entre todos os jogadores de futebol considerados geniais, apenas Johan Cruyjff ousou revoltar-se contra ditames dos coturnos e dos cofres abarrotados da FIFA. Cruyjff que negou-se definitivamente a atuar pela Holanda na Copa da Argentina, sob o olhar corrupto do General Videla. Todos os craques da época, cordeirinhos, indiferentes aos porões da colossal máquina do fascismo portenho, chileno, brasileiro, salazarista, franquista, foi brincar de bola na gélida terra da prata. De vez em quando ensaiando gols em estádios nacionais erguidos sob cadáveres Nerudas insepultos.


Luther King já estava morto. Milhares de jovens também. Crianças vietnamitas queimadas sob Napalm. Prisões abarrotadas de presos políticos. O som de caminhando misturado com as canções de Violeta Parra beijando planícies dos cálices proibidos pela censura.


Enquanto a bola rolava nos lábios da Rainha, duas ditaduras erguiam a Copa do Mundo na década de 70. Olé!


Hoje, 24 de maio de 2011, Bob Dylan completa 70 anos. Freewheelin' é sonho do passado, Hurricane na memória dos desaparecidos. Dylan também não deixa de ser establishment, meus amigos. Por que, no final, tudo não passa de um monte de notas amassadas na conta bancária.


Porém, os versos do poeta ferem a consciência de quem dedilha acordes num violão pela estrada, de quem brinca de bola no campo dos sonhos. E os versos do poeta, permanecem blowin' in the wind...


"Senhor Jogador de Futebol, o que você vai fazer sobre Martin Luther King?"

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