ENTREVISTA

Governo Federal precisa assumir as rédeas da campanha de vacinação ao invés de deixar com estados, diz especialista

A enfermeira e pós-doutora em epidemiologia Ethel Maciel teceu comentários à campanha vigente no País no Passando a Limpo, da Rádio Jornal, na manhã desta quarta-feira (10)

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Katarina Moraes

Publicado em 10/02/2021 às 10:29 | Atualizado em 10/02/2021 às 20:00
Entrevista
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Três semanas após o início da vacinação contra a covid-19 no Brasil, que imunizou mais de quatro milhões de pessoas, a enfermeira e pós-doutora em epidemiologia Ethel Maciel teceu comentários à campanha vigente no País no Passando a Limpo, da Rádio Jornal, na manhã desta quarta-feira (10). Para a especialista, um dos principais defeitos da ação é ter deixado a cargo de cada estado a definição dos subgrupos prioritários; o que, segundo ela, vem confundindo a população.

"Na última versão do plano, o governo retirou as fases e deixou um grande grupo de prioridade com quase 78 milhões de pessoas. O que está acontecendo é que cada estado está fazendo de um jeito; nunca fizemos assim. Está faltando o direcionamento que nós sempre tivemos. [...] O governo precisa tomar as rédeas e organizar, como nós sabemos fazer", afirma.

A conversa acontece um dia após a empresária Luiza Trajano, do Magazine Luiza, ter lançado movimento empresarial para agilizar campanha no País. Ethel defende que esse era o tipo de ação que deveria, nesse momento de pandemia, ser organizada pelo governo federal, e não pela iniciativa privada.

"Estamos no meio do furacão; quem tem que ter a ação coordenada, que não está acontecendo, é o estado brasileiro, e temos condições de fazer isso. A gente não precisa do setor privado, nós sabemos, temos experiência de mais de 40 anos fazendo isso", defende.

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Ela argumenta que integrantes do Programa Nacional de Imunizações (PNI), que existe desde 1973, têm expertise para promover campanhas que imunizam até 10 milhões de pessoas em um único dia, mas que não são eles que estão à frente do processo. 

"Nesse momento, o que está acontecendo é uma falta de organização, temos algumas pessoas que estão ocupando cargos no Brasil que desconhecem o sistema, nunca participaram, não têm competência técnica; isso acaba travando o sistema. Temos, hoje, muitas pessoas com competência técnica no PNI, mas não estão à frente do processo. O que o governo tem que deixar agora é que os técnicos que sabem fazer assumam a frente e coloquem o plano em ação", argumenta.

Confira a entrevista completa

Rádio Jornal: De que forma Luiza Trajano poderia colaborar com a campanha de vacinação?

Ethel Maciel: A princípio, pelas reportagens, tive a impressão de que haveria uma mobilização do setor privado para a compra de vacinas para doação do SUS. Depois, com esclarecimentos feitos por ela, o que deu a entender é que haveria uma forma de mobilização para auxiliar na distribuição, na aplicação, e, se fosse necessário, nos locais. É um outro tipo de mobilização. A gente está acompanhando toda essa história das vacinas e temos visto que o problema ao acesso às doses das vacinas não é o dinheiro, mas a falta de negociação entre o governo e a Pfizer e outras fabricantes. Esse é o principal obstáculo. O que o governo fez, que foi a transferência de tecnologia da AstraZeneca para a Fiocruz, é muito bom a médio e longo prazo, porque teremos vacinas sendo produzidas aqui; mas, no curto prazo, é um pouco mais demorado. Tudo o que a gente está acompanhando tem um caminho a ser percorrido que vai ser muito importante para o Brasil, em deter a tecnologia e depois produzir. Mas, nesse primeiro momento, estamos com poucas doses, ainda.

Você acha que esses movimentos em prol da vacinação deveriam ser arrefecidos e que as empresas deixassem com o setor público, ou é válida a tentativa do setor privado também tentar fazer uma mobilização para vacinar a população?

Ethel Maciel: Eu acho que, nesse primeiro momento, não há problema do setor privado ter vacina, como tem no nosso país. O problema é em uma pandemia. Estamos no meio do furacão; quem tem que ter a ação coordenada, que não está acontecendo, é o estado brasileiro, e temos condições de fazer isso. A gente não precisa do setor privado, nós sabemos, temos experiência de mais de 40 anos fazendo isso. Podemos vacinar mais de 10 milhões de pessoas por dia, nós fazemos isso nos dias D. Nós temos capacidade e temos como fazer. Nesse momento, o que está acontecendo é uma falta de organização, temos algumas pessoas que estão ocupando cargos no brasil que desconhecem o sistema, nunca participaram, não têm competência técnica; isso acaba travando o sistema. Temos hoje muitas pessoas com competência técnica no PNI, mas não estão à frente do processo. O que o governo tem que deixar agora é que os técnicos que sabem fazer assumam a frente e coloquem o plano em ação.

Outra coisa que eu compreendo que está acontecendo, a gente já tem pouco mais de 3 semanas de campanha, é que o governo deixou em aberto para os estados definirem as prioridades dentre as prioridades. Na última versão do plano, o governo retirou as fases e deixou um grande grupo de prioridade com quase 78 milhões de pessoas. O que está acontecendo é que cada estado está fazendo de um jeito; nunca fizemos assim. Está faltando o direcionamento que nós sempre tivemos para dizer assim: agora, vamos fazer isso. A gente está acompanhando os estados mais próximos do Espírito Santo, onde estou, e SP está fazendo de um jeito, RJ de outro. Isso vai criando uma confusão nas pessoas que estão na sala de vacinação, porque chegam alguns idosos indo às unidades de saúde procurando vacina, e a vez deles ainda não chegou, mas em SP já estão sendo vacinados. Isso precisa ser evitado, o governo precisa tomar as rédeas e organizar, como nós sabemos fazer.

A mudança dos sintomas, uma pessoa diz que ficou com dor de cabeça, outro que não sentiu nada, outro diz que sentiu um sono muito grande. Isso poderia sinal de uma mudança no vírus?

Ethel Maciel: Pode ser, é uma hipótese, mas ainda não temos certeza. Essas mutações, que dão outra variante do vírus, podem causar sintomas diferentes. A gente está acompanhando o que está acontecendo no Amazonas, e os colegas relatam que, por exemplo, as pessoas que estão adoecendo com essa nova variante estão apresentando mais sintomas e ficando mais grave mais rápido do que anteriormente. Algumas mudanças são, sim, por conta dessas mutações que o vírus fez; mas a gente ainda não tem muita certeza. A melhor coisa é não se infectar, porque são muitas incertezas. Temos visto, também, muitas sequelas em pessoas que sairam de quadros mais graves; e sequelas diferentes. Inclusive, algo que tem acontecido um pouco mais do que no início, são as sequelas neurológicas; as pessoas por exemplo não conseguem movimentar os membros, perna, braços. Temos que vacinar rápido porque ainda temos muito o que aprender sobre essa doença.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) vai pedir ao presidente Jair Bolsonaro que vete trecho da medida provisória aprovada que prevê um prazo de cinco dias para aprovação de uso emergencial de vacinas contra a Covid-19, sob o argumento de que ela não poderia trabalhar nesse prazo. Para uma vacina já aprovada em outros países, cinco dias é o suficiente para liberar no Brasil?

Ethel Maciel: O que a gente precisa compreender é que o papel da Anvisa é de nos proteger. Ela tem a missão de analisar todos os documentos, tudo o que aconteceu durante todas as fases da pesquisa, e ela, com uma isenção, uma independência, também tem que nos proteger dos interesses de mercado, porque as fabricantes querem vender os seus produtos para o Brasil, que é um grande mercado consumidor, e nós, infelizmente, não temos o nosso produto e temos que comprar de outros países. É importante que a Anvisa só libere aquilo que é seguro e eficaz. Então, eu defendo a independência da Anvisa, acredito que ela deve ter o tempo que é necessário.

Dando só um exemplo da AstraZeneca, que foi aprovada no Reino Unido, mas a fábrica que produz as vacinas entregues para a Europa fica em uma cidade perto de Bruxelas. A produtora que faz as rifas e as doses que vêm para o Brasil, fica na China. Então, aquela aprovação da AstraZeneca no Reino Unido, não é a mesma do Brasil. A Anvisa precisou ir à China visitar a fábrica para ter certeza que todos os padrões de segurança e qualidade eram cumpridos para liberar aqui. A gente precisa ter muito cuidado com isso e deixar a Anvisa trabalhar da forma que ela precisa fazer. É melhor a gente esperar mais cinco dias e ter um produto seguro e eficaz, do que a gente aprovar algo que outro país aprovou, que não tem o mesmo critério que nós.

Temos que lembrar que a Anvisa, hoje, está no mesmo nível que as agências regulatórias mais importantes do mundo. Ela precisa cumprir seus padrões de qualidade. Se a Anvisa liberar em cinco dias, essas vacinas estarão liberadas para serem administradas? Não estarão. Pode parecer que o problema é a Anvisa, mas não é. Não fizemos o acordo, não compramos nada, não tem nada fechado sobre a Sputnik V, então vamos fazer os acordos enquanto a Anvisa está analisando. Certamente, teremos mais essa vacina, acredito que sim, pelos dados publicados; mas nós, pesquisadores, só temos acesso ao que foi publicado, mas para ser aprovada na Anvisa, a empresa tem que mostrar os resultados em todos os voluntários; então é um processo muito mais seguro para nós. A gente precisa que a Anvisa cumpra seu papel, independente de onde a vacina vier.

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