Em 2022, havia 1,9 milhão de crianças e adolescentes entre 5 a 17 anos em situação de trabalho infantil no país. Isso representa 4,9% da população nessa faixa etária. O contingente de crianças e adolescentes nessa situação vinha caindo desde 2016 (2,1 milhões), ano inicial do módulo sobre o trabalho de crianças e adolescentes da PNAD Contínua, chegando a 1,8 milhão em 2019. No entanto, em 2022, esse contingente cresceu.
Os dados divulgados nesta quarta-feira (20) pelo IBGE fazem parte das Estatísticas Experimentais, que devem ser usadas com cautela. O foco principal da pesquisa é a adoção da Resolução IV da 20ª Conferência Internacional de Estatísticos do Trabalho, realizada em 2018, em Genebra.
TRABALHO EM BUSCA DE RENDA
Em 2022, entre aqueles que estavam em trabalho infantil, 1,4 milhão estavam ocupados em atividades econômicas, enquanto 467 mil produziam para consumo próprio. As atividades econômicas envolvem algum trabalho na semana de referência que seja remunerado com dinheiro, produtos ou mercadoria ou, ainda, sem remuneração, quando ajudam na atividade econômica de familiar ou parente.
A produção para consumo próprio gera bens e serviços para uso exclusivo dos moradores do domicílio. Algumas atividades relacionadas ao consumo próprio são o cultivo, a pesca, a caça, a criação de animais, ou construção e reparos no próprio domicílio.
“Dos 38,4 milhões de pessoas de 5 a 17 anos no país, 2,1 milhões realizaram atividades econômicas ou produção para consumo próprio ou as duas coisas simultaneamente. É importante ressaltar que nem todo trabalho realizado pelas pessoas dessa faixa etária é considerado trabalho infantil”, detalha a coordenadora de Pesquisas por Amostra de Domicílios do IBGE, Adriana Beringuy.
TRABALHO INFANTIL
Para a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o trabalho infantil é “aquele que é perigoso e prejudicial para a saúde e o desenvolvimento mental, físico, social ou moral das crianças e que interfere na sua escolarização”.
Na PNAD Contínua, os critérios adotados para essa definição foram a faixa etária, o tipo de atividade desenvolvida, as horas trabalhadas, a frequência à escola, a realização de trabalho infantil perigoso e atividades econômicas em situação de informalidade.
CRESCIMENTO ENTRE 2019 E 2022
Entre 2016 e 2019, enquanto o número de crianças e adolescentes com 5 a 17 anos de idade caiu 4,1%, o contingente em situação de trabalho infantil diminuiu ainda mais (-16,8%). No entanto, de 2019 para 2022, a população com 5 a 17 anos continuou a decrescer (-1,4%), mas o contingente em situação de trabalho infantil aumentou 7,0%, passando de 1,758 milhão em 2019 para 1,881 milhão em 2022.
“Não consideramos apenas se as crianças e adolescentes estão no mercado de trabalho, mas em quais condições eles estão trabalhando. Todas as crianças de 5 a 13 anos ocupadas em atividades econômicas ou na produção para o consumo próprio estão em situação de trabalho infantil. No entanto, a legislação permite o trabalho como menor aprendiz para o grupo de 14 e 15 anos. Assim, nem todo caso é considerado trabalho infantil. É preciso avaliar se a ocupação é sem carteira, ou trabalho doméstico, se a jornada de trabalho é excessiva, se a ocupação envolve atividades perigosas, prejudicais à saúde ou ao desenvolvimento”, explica a analista.
Mais da metade (52,5% ou 988 mil) das crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil tinham de 16 a 17 anos. As demais faixas etárias tinham a seguinte distribuição: de 14 a 15 anos (23,6% ou 444 mil pessoas) e de 5 a 13 anos (23,9% ou 449 mil).
O trabalho infantil era mais frequente entre os adolescentes com 16 e 17 anos: 16,3% deles estavam nessa situação em 2022, enquanto na faixa dos 5 a 13 anos, a proporção era de 1,7%. De 2016 a 2022, o percentual de crianças de 5 a 13 anos em trabalho infantil ficou estável. Na faixa de 16 a 17 anos, porém, o trabalho infantil cresceu 1,4 ponto percentual (p.p.) entre 2019 e 2022.
Entre os que estavam inseridos em atividades econômicas, o predomínio era de adolescentes com 16 e 17 anos de idade (60,6% ou 858 mil pessoas). Entre os que produziam para apenas o próprio consumo, havia maior proporção do grupo de 5 a 13 anos de idade (47,5% ou 222 mil pessoas).
TRABALHO POR 40H SEMANAIS
Duas em cada cinco (40,6%) crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil trabalhavam até 14 horas semanais e 14,0% trabalhavam de 25 a 39 horas por semana. Uma em cada quatro (24,9%) dessas crianças trabalhavam por 15 e 24 horas semanais e uma em cada cinco (20,5%), por 40 horas ou mais.
As jornadas mais longas eram as dos adolescentes entre 16 e 17 anos: 32,4% deles trabalhavam por 40 horas ou mais na semana.
“Observamos que a jornada de trabalho cresce conforme a idade e a maior proporção dos que trabalham de 40 horas ou mais ficou com os adolescentes de 16 e 17 anos. Nesse grupo etário, há o crescimento do abandono escolar, o que pode contribuir para a maior jornada entre parte desses adolescentes”, analisa Beringuy.
MAIORIA DO SEXO MASCULINO
Crianças e adolescentes do sexo masculino representavam 51,1% da população de 5 a 17 anos do país e 65,1% daqueles que estavam em trabalho infantil.
A proporção de pretos ou pardos em situação de trabalho infantil (66,3%) superava o percentual desse grupo no total de crianças e adolescentes do país (58,8%). Já a proporção de brancos no trabalho infantil (33,0%) era inferior à sua participação no total de crianças e adolescentes (40,3%).
BAIXA FREQUÊNCIA ESCOLAR
Cerca de 97,1% da população de 5 a 17 anos eram estudantes, mas a proporção caia para 87,9% entre as crianças e adolescentes dessa faixa etária em situação de trabalho infantil.
Quase todos (98,5%) no grupo etário dos 5 aos 13 anos frequentavam a escola, assim como os que estavam em situação de trabalho infantil nessa faixa etária (98,5%). Já na faixa dos 14 aos 15 anos, 98,5% frequentavam escola, mas essa taxa era um pouco menor (96,0%) entre os trabalhadores infantis das mesmas idades.
O grupo etário com 16 e 17 anos mostrou uma diferença maior: 89,4% da população com 16 e 17 anos frequentavam escola, mas apenas 79,5% dos adolescentes nessas idades e em situação de trabalho infantil seguiam estudando.
ALTA TAXA DE INFORMALIDADE
Entre os adolescentes de 16 e 17 anos trabalhando nas atividades econômicas, a taxa de informalidade era de 76,6%, o equivalente a 810 mil trabalhadores informais. Esse foi o maior percentual de informalidade para esse grupo desde o início da série histórica da pesquisa.
O contingente de informais estava concentrado nos empregados no setor privado e trabalhadores domésticos (67,9%), seguidos por conta própria e empregadores sem CNPJ (16,9%) e trabalhadores familiares auxiliares (15,2%).
A maioria das crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos em situação de trabalho infantil no trabalho principal estava em atividades não agrícolas (77,2%). Três em cada cinco (59,1%) dessas crianças e adolescentes estavam inseridos como empregados, 26,8% como trabalhadores familiares e 14,1% como conta-própria ou empregadores. Cerca de 42,6% dos que se encontravam em trabalho infantil estavam no grupamento outras atividades, 27,9% no comércio, 22,8% na agricultura e 6,7% nos serviços domésticos.
PIORES FORMAS DE TRABALHO INFANTIL
Outro ponto levantado pela pesquisa foi o contingente de crianças e adolescentes que estavam ocupadas nas piores formas de trabalho infantil, segundo a lista TIP. A metodologia utilizada foi elaborada com o apoio da OIT, do Ministério da Cidadania, do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), do Ministério Público do Trabalho e do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, entre outras instituições.
Em 2022, o país tinha 756 mil crianças e adolescentes com 5 a 17 anos de idade nas piores formas de trabalho, que envolviam risco de acidentes ou eram prejudiciais à saúde. Isso equivale a 46,2% do 1,6 milhão de crianças e adolescentes que realizavam atividades econômicas. Essa proporção caiu de 51,3% em 2016, para 45,8%, em 2019, mas subiu para 46,2% em 2022. O envolvimento de menores de 18 anos em tais atividades é proibido pelo decreto 6.481, de 12 de junho de 2008.
Mais de dois terços (69,4% ou 158 mil) das crianças e adolescentes de 5 a 13 anos de idade ocupadas em atividades econômicas exerciam as piores formas de trabalho. Essa proporção recuou frente a 2016 (71,7%), embora tenha crescido em relação a 2019 (64,8%). Também eram significativos os percentuais dos grupos de 14 e 15 anos (51,4%) e de 16 e 17 anos (39,5%).
“A lista TIP considera as formas de trabalho que mais trazem prejuízos às crianças em seu desenvolvimento. A lista nos ajuda a classificar quais crianças estão em maior vulnerabilidade”, diz Beringuy. “Entre as piores formas de trabalho infantil estão as ocupações de vendedor ambulante, lavador de veículo e operadores de máquina, dentre outras. Na lista há atividades da agricultura, da indústria, do comércio e dos serviços”, completa.