A guerra pelo domínio do rentável mercado do tráfico de drogas na Zona Sul do Recife ganha contornos cada vez mais ousados e sofisticados. Um dia depois que criminosos atearam fogo em um carro (deixando dois ocupantes carbonizados) na entrada da comunidade de Entra Apulso, em Boa Viagem, a Polícia descobriu que o local era totalmente monitorado por meio de câmeras de vídeo instaladas pelos traficantes da área.
Os equipamentos foram colocados nas principais entradas da Entra Apulso, como na esquina das Ruas Bruno Veloso e Arnaud Holanda. Foi nesse local que os criminosos tocaram fogo no veículo, na noite do último domingo. Uma das câmeras estava apontada precisamente para o ponto em que o crime foi cometido.
Na manhã de ontem, policiais do Grupo de Apoio Tático Itinerante (Gati) e do 19º Batalhão retiraram nada menos que 11 câmeras colocadas em postes e até mesmo em fachadas de estabelecimentos comerciais. Nenhuma pessoa da localidade soube explicar para que serviam ou de quem eram os equipamentos.
Sob anonimato, um comerciante da Rua Visconde de Jequitinhonha – na fachada de cujo estabelecimento ficava uma das câmeras – afirmou que não tinha como proibir a colocação do dispositivo, mas não falou quem o tinha instalado. Os militares chegaram a entrar em algumas casas à procura da central de monitoramento, mas nada foi encontrado.
Um sistema para quatro câmeras custa entre R$ 1 mil e R$ 2 mil. Estima-se que os dispositivos encontrados na Entra Apulso somem R$ 5 mil. “Está explicado porque a gente não conseguia muita coisa aqui. Eles (os traficantes) tinham controle visual das entradas da comunidade”, explica um dos militares que participaram da ação.
Um dia depois das cenas de barbárie, o medo ainda imperava nos arredores da localidade. A tentativa – e a necessidade – da população era de levar um dia normal, mas a ressaca por mais uma batalha da guerra que se arrasta na Zona Sul era visível. Moradores dos edifícios de classe média e da comunidade dividiam o silêncio. Ninguém havia visto nada, nenhuma palavra foi dita.
A Polícia Civil confirma que o crime do último domingo tem relação com a disputa por pontos de drogas. “É um confronto entre traficantes de Entra Apulso e de uma comunidade dos arredores”, diz o delegado Luiz Andrey, diretor das unidades especializadas da corporação.
Sabe-se, no entanto, que a principal rixa dos traficantes de Entra Apulso é com criminosos cuja área de atuação é a comunidade de Irmã Dorothy, no bairro da Imbiribeira, também na Zona Sul e distante cerca de dois quilômetros do local da investida.
Um dos motivos da ação dos criminosos seria a morte, no último dia 12, do ex-presidiário Jackson Paulo da Silva, de 35 anos, apontado como um dos chefes do tráfico em Entra Apulso. Ele foi emboscado e execvutado a tiros na PE-408, no município de Paudalho, Zona da Mata Norte. A investida seria para aproveitar uma possível falta de comando do crime na área. A Polícia não confirma nem desmente a versão.
“É uma das linhas com que trabalhamos. Mas tudo ainda vai depender de investigações mais aprofundadas”, comenta Luiz Andrey. Os dois homens mortos no veículo Agile na noite do domingo em Entra Apulso ainda não foram oficialmente identificados, mas suspeita-se de que sejam dois ex-presidiários de unidades do agreste do Estado. “Estamos esperando pelos laudos da Polícia Científica para ter a confirmação das identidades”, afirma o delegado, explicando que nenhum parente se apresentou para tentar o reconhecimento dos corpos.
Em nota, o Sindicato dos Policiais Civis de Pernambuco (Sinpol) reclam do “clima de barbárie e insegurança em Pernambuco”. “A situação é inaceitável. Como combater a criminalidade se a Polícia Civil, responsável por investigar os crimes e prender os criminosos, tem funcionado com um efetivo menor que 30 anos atrás, cerca de 40% do que seria necessário?”.