Sancionada há cinco anos, a lei 17.918/2013, que proíbe circulação de veículos por tração animal no Recife, continua sem regulamentação. Na última segunda-feira (19), o Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) determinou em corte especial que o prefeito Geraldo Júlio de Mello Filho emita um decreto regulamentador para que a legislação seja posta em prática. Após notificado, o gestor municipal terá 60 dias para que o plano seja apresentado. Caso o prazo não seja respeitado, entra em vigor uma regulação criada pelo Ministério Público de Pernambuco (MPPE) e o prefeito pode ser afastado do cargo. A lei votada em 2013 prevê multa de R$ 500 para quem for pego utilizando animais como transporte pessoal ou de cargas.
Geraldo Júlio será notificado após publicação do acórdão no Diário de Justiça Eletrônico (DJE). Depois disso, terá o prazo de dois meses para emitir um decreto de regulamentação. Passado esse tempo, caso não haja pronunciamento, passam a valer medidas propostas pelo MPPE e acatadas pelo TJPE na sentença da última segunda-feira. Entre os pontos listados está o recolhimento dos animais utilizados para tração e a profissionalização dos carroceiros. A regulamentação do Ministério valerá até que a prefeitura apresente um decreto próprio. O relator do processo foi o desembargador José Fernandes de Lemos.
O mandado de injunção foi requerido pela Promotoria de Meia Ambiente do MPPE e prevê penalidades para o gestor municipal. “O prefeito precisa baixar o decreto de imediato, sob pena de incorrer em ato de improbidade administrativa. Caso não cumpra, ele pode ser afastado do cargo por prática de crime de responsabilidade e crime contra o meio ambiente”, esclarece o promotor Ricardo Coelho, relator da ação.
A lei de tração animal foi assinada pelo prefeito Geraldo Júlio em seu primeiro mandato e até hoje continua sem regulamentação. A legislação proíbe o uso de animais como forma de transporte de pessoas ou cargas, incluindo carroças. Animais não podem estar soltos ou atados, em vias, logradouros ou terrenos. Vaquejadas, rodeios e eventos que configuram maus tratos também foram proibidos na capital pernambucana. Como penalidade, a legislação prevê notificação do condutor, retenção do animal e multa de R$ 500, além de uma taxa diária de R$ 10 pelo transporte e permanência do bicho no local de recolhimento.
Carroceiro, Luiz Carlos de Azevedo, 38 anos, depende dos bicos que faz com sua carroça para manter, junto com sua esposa, os cinco filhos. Quando os cavalos estão descansando, ele aproveita para fazer cortes de cabelo a domicilio. Quando questionado sobre a possibilidade de perder sua principal fonte de renda, ele diz esperar um atitude do poder público. “Meu ramo sempre foi esse. Se acontecer, o jeito é botar o talento para frente e trabalhar com o que aparecer. Se a prefeitura der oportunidade de emprego para mim e para os outros carroceiros, está tudo resolvido. O que não podemos é ficar sem renda”, diz o morador do bairro do Arruda.
Cada frete feito na carroça custa em torno de R$ 50. Segundo Luiz Carlos, desse valor, R$ 35 é gasto com farelo, que alimenta seus quatro cavalos por três dias. Pacotinho, João Grandão, Branco e Faísca vivem em uma cocheira. Lá, são tratados. “Eles precisam ser cuidados assim como a gente. Tem pessoas que pegam cavalos que não querem andar e por isso batem nos animais. Por causa desse tipo de gente, todos pagam com as proibições”, relata.
Legislação esquecida
Na época em que foi criada e sancionada, a lei determinava um prazo de 120 dias para começo da implementação dos pontos descritos. Em 2014, houve o início do cadastramento de carroceiros para que fosse posto em prática o Programa Gradual de Retirada de Veículos de Tração Animal, com a entrega dos animais e carroças para a Prefeitura, e para que fossem garantidos programas de auxílio às pessoas que dependiam desse tipo de transporte para conseguir a renda familiar. Com protestos, a categoria conseguiu adiar o prazo de cadastramento e a validação da proibição.
Fabrício Silva, 20, é carroceiro desde criança. Atualmente, faz fretes e recolhe materiais para reciclagem junto com três primos e irmãos. O valor arrecadado pela família por mês se equipara ao preço da multa, caso sejam pegos utilizando o cavalo após a regulamentação da lei. “Carregando reciclagem a gente consegue entre R$ 500 e R$ 600. O valor é divido para os quatro, fora os gastos com o cavalo”, conta. Eles participaram de uma passeata contra a lei anos atrás e não chegaram a se cadastrar com a prefeitura. “Só disseram que iam retirar o animal e a carroça, mas não deram nenhuma sugestão para outra fonte de renda”, lembra o jovem.
O promotor Ricardo Coelho destaque que os cadastros eram feitos para contabilizar a quantidade de carroças e carroceiros na cidade. O destino dos cavalos também foi acertado naquele ano. “A PCR alugou uma fazenda para levar esses animais, mas foram anos de aluguel sem que ela fosse utilizada”, denuncia.
Diversas audiências públicas já foram realizadas na Câmara de Vereadores do Recife, mas nada surtiu efeito. A regulamentação estava prevista para acontecer em julho do ano passado, no entanto, foi mais uma vez adiada. “Não houve interesse político do prefeito em regulamentar a lei. O que queremos é que os animais em situação de irregularidade sejam recolhidos e que os carroceiros sejam inseridos no mercado de trabalho”, acrescenta o promotor do MPPE.
Quando procurada, a Prefeitura do Recife informou, por meio da Secretaria-Executiva dos Direitos dos Animais (Seda), que só se posicionará quando notificada pelo TJPE. Quanto à fazenda, localizada em Gravatá, Agreste pernambucano, a Seda informou que o contrato continua valendo, mas o aluguel só é pago quando há animais no local. A estadia de cada cavalo custa R$ 244 por mês, mas atualmente nenhum animal está na propriedade.