Há 40 anos atuando com moradores de rua, o pesquisador Luiz Kohara não tem dúvidas: o acesso à moradia é, mais do que qualquer outra ação, a base central para pavimentar a autonomia e a reinserção dessa população. Ele estudou o assunto em sua tese de doutorado, pela Universidade Federal do ABC, em São Paulo.
JORNAL DO COMMERCIO – Quais as principais conclusões da sua pesquisa?
LUIZ KOHARA – Eu trabalho com população de rua em São Paulo há 40 anos. No ano passado, fiz uma pesquisa para avaliar o impacto na vida das pessoas que estavam em situação de rua e acessaram a moradia, muitos através do Programa Minha Casa Minha Vida. Entrevistamos 52 pessoas em quatro capitais: São Paulo, Belo Horizonte, Salvador e Fortaleza. A moradia é a base central da inserção social. É muito difícil você ter reinserção se você não tiver direito à moradia. Não significa, necessariamente, entregar a chave à pessoa, ter que financiar uma moradia. Mas no sentido de dar uma autonomia, um aluguel social, ter um acompanhamento, para que, num primeiro momento, ela possa ir construindo um processo de estabilização.
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JC – Já existe esse entendimento por parte dos gestores?
KOHARA – Infelizmente, não. A pesquisa evidenciou que o reconhecimento e a efetivação da população em situação de rua como demanda prioritária dos programas habitacionais ainda não existe. É inexpressivo o número de acessos à moradia por meio de programas públicos. Ainda falta essa visão aos gestores. São políticas fragmentadas. A experiência internacional mostra que é mais barato e dá mais resultado se você primeiro dá acesso à moradia, e depois vai construindo os demais acessos, como ao trabalho. Porque você estabiliza. Sem a moradia, fica tudo mais difícil.
JC – Que impactos diretos que o acesso à moradia provoca nesse segmento da população?
KOHARA – Moradia é vista como proteção ao corpo. Tem toda a questão da identidade, poder ter um endereço, ter acesso a serviços públicos. Todos as pessoas que eu entrevistei puderam reconstruir e retomar a vida familiar. Do total, 38% conseguiram emprego formal e 35% um trabalho informal. Só 10% dependiam de ajuda. Então é uma mudança muito grande, em termos de trabalho. Muitos nunca tinham tido um emprego com carteira registrada.
PRECONCEITO
JC – E esses moradores conseguem se adaptar a essa nova vida?
KOHARA – Há muitos preconceitos em relação à população de rua que viram mito. Por exemplo, dizer que eles não vão se acostumar com um endereço fixo. Isso não é real. A gente entrevistou casos de pessoas que viveram mais de 40 anos na rua, desde a adolescência, e que conseguiram se manter na moradia. Outro mito é dizer que essa população não vai pagar o aluguel ou o Minha Casa Minha Vida. A pesquisa comprovou que o índice de inadimplência deste segmento não é maior ou menor do que outros atendidos pelo programa.