Há 30 anos, o Brasil começava a dialogar sobre a redução de danos e a importância incluí-la nas políticas públicas para a promoção da saúde e garantia de direitos das pessoas usuárias de drogas. Com a diminuição gradativa dos programas de acolhimento nos últimos anos e a sanção da Lei Nº 13.840, que permite a internação compulsória, pesquisadores e redutores de danos do Recife, preocupados com o que consideram retrocessos na política pública sobre drogas, criaram a Escola Livre de Redução de Danos, que será apresentada pela primeira vez hoje à noite, no INCITI, no Recife Antigo.
“Essa é uma iniciativa que surgiu há dois anos, quando começamos a perceber ataques muito fortes às políticas nacionais para usuários de drogas e a necessidade de criar um espaço para as pessoas que fazem uso e profissionais pudessem ter formação. Teremos ações nas ruas e cursos destacando a eficácia da redução de danos e sua importância na autonomia dos usuários. Queremos fortalecer essas as pessoas enquanto cidadãos políticos, assegurando sua liberdade de uso e seus direitos aos serviços públicos”, explica uma das idealizadoras do projeto, Ingrid Farias, redutora de danos e integrante do Movimento Brasileiro de Redução de Danos. Também participam da Escola Livres o professor e pesquisador Arturo Escobar e as psicólogas Anamaria Carneiro, Priscila Gadelha e Rafael West.
A proposta da escola será lançada nesta noite, mas as atividades só terão início em setembro, junto com a publicação de um relatório sobre a redução de danos e sua eficácia, tendo como base o Atitude, programa estadual de assistência a usuários de drogas, além de uma avaliação nacional e internacional da política de redução de danos. Os redutores atuarão na Escola Livre com ações nas ruas atendendo usuários de drogas em situação de vulnerabilidade, oferecendo cursos online e presenciais de redução de danos - com bolsas para usuários em situação de vulnerabilidade - e com o fortalecimento da pesquisa científica na área, em parceria com órgãos e movimentos sociais.
Para o psicólogo Rafael West, vinculado à Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz) é preciso falar sobre redução para garantir a liberdade e o acesso dos usuários de drogas à saúde. “Sempre existiu um cuidado em saúde com o único foco das pessoas pararem de usar drogas, mas acontece que muitas delas, seja por não conseguir ou não querer, continuam utilizando consumindo substância psicoativas, seja o álcool ou outras drogas. A redução é ampla, plural e olha para o sujeito, a substância e o contexto que ele se enquadra para que o uso aconteça da forma mais segura possível e que haja garantia de saúde também para quem não opta pela abstinência”, explica. Práticas como beber e não dirigir, ingerir água enquanto consome álcool e não compartilhar objetos são consideradas reduções de danos.
O lançamento acontece às 19h, no prédio do INCITI - Pesquisa e Inovações para as Cidades, na Rua do Bom Jesus, no Recife Antigo.
Programa Atitude
“O que mais dói é o desprezo. O abandono é um dos fatores que mais maltratam a gente. Mas, a gente também tem que entender que a família se afasta por medo, porque não aceitar. Não é fácil também. No meu caso, são 10 anos como usuário de droga. Eu entendo a reação deles”. A fala é de J.S.S. de 30 anos. Dependente químico desde os 20, hoje ele busca amparo e proteção no Programa Atenção Integral aos Usuários de Drogas e seus Familiares (Atitude), principal ferramenta do Governo do Estado de proteção aos usuários de drogas em situação de ameaça e vulnerabilidade. Depois de quase um mês em situação crítica, hoje ele tenta, junto a outra centenas de beneficiários, reconstruir o futuro que foi tirado pelas drogas.
J.S.S chegou há duas semanas no Centro de Acolhimento e Apoio do Atitude no Recife e diz estar deixando o crack e o álcool. Conheceu o programa por meio de outros usuários e acredita que lá pode encontrar forças para retomar sua vida e reaproximar a família. “O último mês que passou foi muito difícil. O uso aumentou e a insanidade também. Foi quando eu procurei ajuda pir começar a ver que não estava mais controlando. Aqui eu comecei a ter outra visão porque eles conscientizam que por trás dra droga existe uma pessoa, uma família. Eles procuram trazer de volta nossos valores”, conta. Na casa, ele e outros dependentes passam o dia realizando atividades educativas, participando de cursos e discutindo qualidade de vida e direitos humanos junto a psicólogos e assistentes sociais. Durante o dia, a lotação máximo é de 30 pessoas. À noite, 15 podem dormir e se alimentar.
Fundado na perspectiva de redução de danos e garantia da cidadania, o Atitude trabalha há oito anos acolhendo dependentes químicos que correm risco de vida por causa do envolvimento com drogas, em especial crack. Mais que a proteção, o programa cria, junto com os usuários, novas perspectivas para a vida. A finalidade não é tratá-los contra as drogas, mas protegê-los e mostrá-los que é possível reconstruir a vida. “Nosso primeiro passo é salvar a vida deles. Alguns chegam aqui machucados, sangrando após um atentado. Nós os acolhemos e protegemos. Depois, vamos resgatando os direitos e os projetos de vida. O programa está tipificado como política de assistência social, não somos um equipamento de saúde. Mas, se houver necessidade, claro, fazemos todos os encaminhamentos necessários”, explica a coordenadora do Centro de Acolhimento e Apoio do núcleo de Recife do Atitude, Karla Rodrigues.
Em todo o Estado, há apenas quatro núcleos. O projeto de expansão existe, mas segundo a Secretaria de Políticas de Prevenção à Violência e às Drogas, ainda não há data. Em cada um dos núcleos, situados no Recife, em Jaboatão dos Guararapes, no Cabo de Santo Agostinho e em Caruaru, há quatro equipamentos e linhas de atuação. O primeiro deles é o Atitude nas Ruas, que atua junto aos usuários de forma itinerante. Também tem o Centro de Acolhimento e Apoio, que funciona como uma casa de passagem 24h e o Centro de Acolhimento Intensivo, que atua como um abrigo institucional para dependentes com alto grau de vulnerabilidade. O último deles é o Aluguel Social, que é a etapa final do processo, quando o indivíduo recebe o benefício de uma residência alugada por seis meses, podendo ter renovação de contrato, até que se estabilize. De janeiro a maio, 2530 pessoas foram atendidas pelo programa, que desde 2011 já soma mais de 22 mil dependentes em situação de risco.
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