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Falta de moradia está na raiz da ocupação desordenada nos morros

Enquanto não enfrentarmos uma política habitacional nas cidades brasileiras, muita gente, infelizmente, ainda vai morrer, afirma urbanista

Ciara Carvalho
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Ciara Carvalho
Publicado em 28/07/2019 às 10:18
Foto: Brenda Alcântara/JC Imagem
Enquanto não enfrentarmos uma política habitacional nas cidades brasileiras, muita gente, infelizmente, ainda vai morrer, afirma urbanista - FOTO: Foto: Brenda Alcântara/JC Imagem
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São muitos os rostos que estampam a tristeza de uma tragédia. Na da semana passada, em Abreu e Lima, no Grande Recife, era o de Breno José da Silva, marido de Maria Eduarda da Silva, 22 anos, grávida de 8 meses, e pai da criança que a jovem carregava. Ela foi a última a ter o corpo retirado do lamaçal. Cerca de um mês antes, a desolação tinha outra face. Era a de Linderson Albuquerque de Melo. Com as roupas e o corpo sujos de barro e com uma sandália rosa agarrada à corrente pendurada no pescoço, o rapaz acompanhou, por horas, a retirada dos corpos da esposa, duas filhas e três enteados da montanha de escombros. Todos soterrados por uma barreira que desabou em Camaragibe, também na Região Metropolitana do Recife. Em cada uma das 23 mortes contabilizadas este ano na RMR, a raiz do problema é uma só: a falta de moradia digna.

Ninguém convive com o perigo por vontade própria. “Temos que tratar a questão na sua origem, que é o déficit habitacional. Enquanto não enfrentarmos uma política habitacional nas cidades brasileiras, muita gente, infelizmente, ainda vai morrer. Porque todo mundo precisa de moradia. E a necessidade de ter um teto, sobretudo no Recife, onde o solo é caro e escasso, termina levando parte da população à improvisação. As pessoas são empurradas para os altos e alagados”, afirma a arquiteta e urbanista Ana Ramalho, pesquisadora e professora universitária, com pós-doutorado em desenvolvimento urbano pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Foi por não ter mais condições de pagar o aluguel numa casa segura que Linderson, a esposa, as filhas e os enteados, foram obrigados a se mudar para o pé de uma barreira que, dois meses depois, decretaria o fim trágico da família. O tamanho do desafio é enorme. O déficit habitacional no Estado é de 285 mil unidades, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad). O número de pessoas que ainda vivem em moradias inadequadas e sem saneamento básico chega a quase metade da população pernambucana, nas contas do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE).

MORADIA DIGNA

“Qual é o local dos pobres na cidade? Sempre em bairros distantes ou em áreas de risco? Essa pergunta precisa sempre ser feita”, defende Ana Ramalho. Ela reconhece que não há como retirar toda a população dos morros e encostas e transferi-la para áreas planas e seguras. Mas diz que, nos casos em que a mudança é inevitável, devido ao alto risco de deslizamentos de barreiras, não há como enfrentar o problema sem garantir uma nova moradia.

O último senso, realizado em 2010 pelo IBGE, aponta que mais de 250 mil pessoas (10%) vivem em favelas no Estado de Pernambuco. Em 2015, cerca de 40% dos domicílios não eram adequados à moradia. No ano anterior, o cadastro das Comunidades de Interesse Social (CIS) mostrou que, no Recife, mais da metade da população precisou buscar suas próprias soluções de moradia, porque o Estado foi incapaz de oferecê-las. Gente como Linderson e Breno, cujos parentes, engolidos pela lama, pagaram com a vida a falta de um lugar seguro para morar. “É muito comum, quando ocorrem essas mortes, elas serem chamadas de acidente. Mas não são acidentes. Elas só existem porque existe uma vulnerabilidade física e social de uma parte significativa da nossa população”, pontua a arquiteta Ana Ramalho.

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