Para pedir a proteção dos ancestrais nos dias de folia e reverenciar Mestre Afonso, que conduziu o ritual por 17 anos, os maracatus que participaram da 18ª Noite para os Tambores Silenciosos em Olinda calaram seus batuques em frente à Igreja de Nossa Senhora dos Homens Pretos, no Largo do Bonsucesso, à meia-noite desta terça-feira (26). Antes da cerimônia, as nove nações se concentraram nos Quatro Cantos. Tudo sob o olhar dos foliões, que já começam a lotar o Sítio Histórico.
Com batuqueiros vestidos de branco, sinal de luto no candomblé, o Leão Coroado, que teve o mestre Afonso Gomes de Aguiar Filho como guia, liderou o cortejo pela Rua do Amparo até a igreja. “Está sendo muito difícil, mas estamos felizes vendo o Leão Coroado, os filhos, os netos de Afonso, conduzindo com muita garra. Sei o quanto ele está feliz sabendo que a nação está aqui, resistindo e mantendo o legado que ele deixou, que é muito importante”, explicou Kátia da Paz, integrante da Associação dos Maracatus de Olinda (AMO) e organizadora do evento.
Filipe Jordão/JC Imagem |
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Segundo a filha do mestre Afonso, Karina Aguiar, a família e os integrantes do Leão Coroado encontram conforto na saída às ruas e no som do maracatu. “É um orgulho muito grande poder continuar com o legado dele e fazer a Noite para os Tambores Silenciosos, uma celebração que ele gostava. É um pouco difícil porque antes era uma cerimônia que ele fazia para os eguns, hoje estamos fazendo para ele também [...] Para mim e para todos os componentes, o fato de tocar, ouvir o som do maracatu, poder colocar as fantasias, dançar e ver as pessoas empolgadas, faz com que a gente sinta ele mais próximo.”
No ápice da cerimônia, na frente da igreja, a tarefa de entoar os cânticos aos eguns (termo das religiões de matriz africana que designa a alma de qualquer pessoa falecida) antes liderada por Mestre Afonso, foi assumida por um membro do Ilê São João Batista, seu terreiro no bairro de Águas Compridas. “Amaro Rodrigues, 56 anos, está há 31 anos no terreiro e agora é o zelador da casa. Os orixás determinaram que ele faria a louvação. É importante porque a louvação significa pedir aos eguns tranquilidade para o Carnaval de Olinda, para que as pessoas venham e brinquem em paz”, explicou Kátia.
Durante a celebração, a frente da Igreja de Nossa Senhora dos Homens Pretos foi banhada com perfume. Após os cantos africanos, os tambores romperam o silêncio, acompanhados por uma queima de fogos.
Para a fotógrafa Carol Matias, 29, de Brasília, a primeira vez acompanhando o ritual foi um privilégio. “É uma expressão cultural muito forte. É maravilhoso presenciar uma tradição tão antiga quanto o maracatu. Em Brasília, tem farra e um Carnaval grande, mas não temos essa tradição. É um privilégio estar aqui”, resumiu.
Embora seja moradora de Olinda, a aposentada Emília Vilar, 59, só costumava participar da edição recifense da Noite para os Tambores, que acontece nas segundas de Carnaval, no Pátio do Terço, no Centro da cidade. “É o primeiro ano que venho acompanhar aqui. Conhecia a do Recife, que é muito emocionante. Aqui estava tudo lindo demais, desde a concentração até a chegada dos maracatus à igreja”, disse.
LEÃO COROADO
Fundado em 1863, o Maracatu Leão Coroado, o mais antigo de Pernambuco, foi liderado pelo Mestre Afonso entre os anos de 1997 e 2018. O babalorixá chegou a conduzir da 17ª edição da Noite para os Tambores Silenciosos, em fevereiro do ano passado, mas deixou a função de oluô (sacerdote máximo) do Leão Coroado ao morrer por infarto anos 70 anos, no dia 15 de abril, em uma festa no Ilê São João Batista. Em junho do ano passado, a nação iniciou um projeto para conseguir viabilizar a construção de sua sede própria, um sonho que Mestre Afonso partiu sem realizar. Foram colocados à venda um livro, um CD e um DVD, frutos de um projeto de Salvaguarda de Patrimônio Imaterial.