Nove meses separam o incêndio que destruiu 200 barracos da Vila Santa Luzia, no bairro da Torre (Zona Oeste), em fevereiro, do que ocorreu ontem, deixando um saldo de três pessoas feridas – uma com 40% do corpo queimado. Entre os dois incidentes, uma constatação: a incapacidade do poder público em proteger as áreas de preservação permanente (APP) às margens do Rio Capibaribe, aumentando o risco de tragédias com mortes.
O fogo começou por volta das 5h de ontem e se alastrou rapidamente pela parte da comunidade próxima à ponte que liga a Torre ao bairro de Santana, na Zona Norte. Ivanildo da Silva Oliveira, 32 anos, feriu-se gravemente ao tentar resgatar a filha, de um ano, de um dos barracos. Além de ter queimaduras em 40% do corpo, inalou muita fumaça. Até o início da noite de ontem, ele se encontrava no Hospital da Restauração, no bairro do Derby, área central da cidade, e seu estado era considerado estável. Outras duas mulheres tiveram pequenos ferimentos e foram liberadas.
A causa do incêndio só será conhecida após uma perícia realizada pelo Instituto de Criminalística (IC). Moradores disseram que as chamas foram causadas por um cigarro aceso, que caiu em um colchão de uma das casas. Também há a teoria – não confirmada pela polícia – de que ocorreu um acerto de contas promovido por traficantes da comunidade, e cuja vítima seria Ivanildo Oliveira. Já no final da manhã, a prefeitura prestou assistência emergencial (roupas e alimentos) e iniciou o cadastramento dos desabrigados.
O cenário de desordem e destruição poderia ser diferente. Na teoria, o festival de ocupações irregulares às margens do rio deveria dar lugar a um projeto urbanístico, o Parque Capibaribe, que prevê a requalificação de 30 quilômetros, sendo 15 de cada lado do curso d´água. Mas ainda vai demorar. Está previsto para 2017 o início do projeto para definir como será ocupada a margem da Zona Oeste, entre os bairros da Torre e Cordeiro. É justamente nesse trecho que fica a Vila Santa Luzia. “Vamos fazer o estudo com calma, ouvindo a comunidade para saber que tipo de intervenção podemos fazer naquela área”, explica Romero Pereira, secretário-executivo de unidades protegidas da secretaria municipal de meio ambiente. A expectativa é de que o projeto executivo seja concluído em um ano, para só então serem iniciadas as obras físicas. Segundo Romero, os trabalhos no trecho da margem oposta, entre a Ponte da Torre e o Parque de Santana, na Zona Norte, serão iniciados este ano, ao custo de R$ 80 milhões.
Até lá, fica a pergunta: como a prefeitura fará para evitar ocupações irregulares nas áreas de proteção permanente? Duas semanas após o incêndio do dia 3 de fevereiro, o Ministério Público de Pernambuco (MPPE) recomendou à administração municipal a retirada das famílias do local, uma vez que a ocupação de APPs é proibida por lei. As casas foram retiradas, mas reconstruídas meses depois. “Trata-se de uma comunidade consolidada. Qualquer ação para aquele local precisa ser integrada, entre Ministério Público, prefeitura e Polícia. Estamos nos reunindo com essas entidades – a última vez foi na quinta-feira passada – e avaliando o que pode ser feito”, comenta Ricardo Coelho, titular da Promotoria de Meio Ambiente do MPPE. A Secretaria de Imprensa da Prefeitura do Recife afirma que a gestão continuará participando das reuniões e que se compromete a aprofundar a discussão sobre as ocupações ribeirinhas.