É muito marcante quando, no primeiro trimestre de vida, o bebê começa a emitir alguns sons, sorrir e dar gargalhadas. O pequeno vai crescendo e o encantamento continua: entre 7 e 11 meses, até já repete palavras simples. Quando completa o primeiro ano de vida, os pais começam a ficar na expectativa da fase caracterizada pela “explosão do vocabulário” – um momento em que a criança é capaz de aprender novas palavras numa velocidade tão rápida que deixa a família e até desconhecidos surpresos. Os adultos ficam cismados quando o vocabulário não progride de forma exponencial. Em situações como essa, o grau de ansiedade é variado, e as dúvidas parecem não cessar. Os pais querem saber por que o filho não fala como os coleguinhas da mesma faixa etária e também o que devem fazer para promover a linguagem oral do pequeno.
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"Até os 6 anos, quando se inicia o ciclo da alfabetização, a criança deve ser capaz de produzir todos os fonemas da comunidade linguística onde ela está inserida, mas não se deve esperar até essa idade (no caso de existir fala incompreensível ou atraso de linguagem) para se tomar alguma providência, como a ida a um especialista para ser feita uma avaliação", explica a fonoaudióloga Bianca Queiroga, coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Saúde da Comunicação Humana da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Se, aos 6 anos, a criança não se comunica bem, segundo a especialista, provavelmente terá problemas de aprendizagem.
"O melhor estímulo é a família conversar com a criança, desde os primeiros meses de vida, e permitir que ela também se expresse. Às vezes, acontece de os pais superprotegerem tanto os filhos que não permitem que eles peçam um objeto, manifestem fome ou sede. É importante dar o tempo para que a criança solicite e passe a interagir". Assim, quando os pequenos estão inseridos num ambiente estimulador, eles geralmente têm boas condições para se desenvolver e falar dentro do tempo esperado sem muita dificuldade.
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A aquisição da linguagem (externalizada não apenas pela fala, mas também pela escuta, leitura e escrita), segundo reforça Bianca, é um processo quase que espontâneo. Mas esse principal componente da comunicação humana não se desenvolve isoladamente. O aprendizado das primeiras palavras e a combinação delas para formar frases são processos casados com o desenvolvimento cognitivo. Ou seja, a criança precisa ser estimulada a explorar e conhecer aquilo que faz parte do mundo em que vive para aprender nomes e narrar histórias.
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E como as famílias podem aplicar tanta teoria na prática? “Para conversar com a criança, é fundamental os adultos adaptarem o discurso deles a algo que seja compreensível pelos pequenos. Assim, é possível acompanhar a curiosidade e o interesse deles. Não vale ir ao cinema com os filhos e deixar de conversar sobre o que aconteceu no filme ou sobre o que viram durante um passeio pela praia. “O fato de os adultos estarem juntos e não conversarem de forma adequada com as crianças não asseguram interação significativa, essencial para a aquisição da linguagem”, frisa Bianca Queiroga, também membro da diretoria do Conselho Regional de Fonoaudiologia – 4ª Região.
Estímulo
A pedagoga Maria Luiza Lins, 37 anos, e o analista de sistemas José Henrique Lins, 41, adotam naturalmente uma série de estratégias para desenvolver as habilidades de comunicação do filho, Luiz Henrique, 3. “Ele gosta muito de ver filmes e gosta de comentar o que viu. Sempre perguntamos como foi o dia na escola, e ele adora contar os detalhes. Ele tem memórias auditiva e visual muito boas, e isso ajuda a se comunicar; é bem falante. Além disso, contamos histórias para Luiz Henrique, que tem um monte de livros e gosta de vê-los”, relata Maria Luiza.
Na última semana, ela levou o filho ao fonoaudiólogo, por recomendação da pediatra. “Ele conta os fatos, explica e reproduz, mas tem algumas ‘trocas’ (de fonemas), como substituir o ‘l’ pelo ‘n’ ou o ‘l’ pelo ‘u’. Às vezes, não fala o ‘r’. E quando vamos corrigi-lo, ele cansa. Então, achamos melhor procurar uma fonoaudióloga”, acrescenta. A atitude de Maria Luiza retrata a declaração da fonoaudióloga Bianca Queiroga: “Em alguns casos, é interessante a opinião de um especialista, que pode nem indicar terapia e só orientar os pais a adotar mudanças na rotina ou maior interação dos filhos com outras crianças”.
Nas situações em que há suspeita de atraso da fala, é essencial investigar como está a percepção dos sons pelos pequenos. “A audição é pré-requisito para o desenvolvimento da linguagem oral. Nos primeiros anos de vida, a criança escuta, forma o vocabulário e a memória auditiva. Isso culmina com as primeiras palavras na fase de 1 ano e meio a 2 anos”, destaca a médica Mariana Leal, gerente do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Agamenon Magalhães.
Ela acrescenta que é fundamental as famílias ficarem atentas para a possibilidade de um atraso na fala ser decorrente de um problema auditivo. "É um detalhe importante a ser avaliado. E sabemos que, para a aquisição da linguagem, essa estimulação auditiva deve ser feita nos dois primeiros anos de vida. Por isso, quanto mais precoce for identificado qualquer problema auditivo, melhor a reabilitação. Ou seja, maior a chance de se recuperar de algum distúrbio que pode vir a se manifestar", complementa Mariana.
Pela importância da audição para o desenvolvimento da linguagem, os bebês devem passar pelo teste da orelhinha logo após o nascimento. “O exame identifica problemas auditivos, o que possibilita uma terapia precoce”, acrescenta a otorrinolaringologista.
Mais do que se preocupar com o momento em que a criança deve começar a falar ou com as dificuldades para reproduzir os sons da língua, as famílias precisam ficar atentas ao grau de entendimento dos pequenos em cada fase e à compreensão do conteúdo da fala. “É possível entender o que ela diz? As trocas naturais (dos sons) não prejudicam a compreensão da fala. Se aos 2 ou 3 anos, a criança não fala um ‘r’ vibrante, não há tantos problemas. Nessa fase, é comum ‘comer’ o ‘r’. Ou seja, ao invés de falar praia, diz ‘paia’. Mas o adulto entende. A preocupação vem se ela fala de um jeito que ninguém entende, o que pode prejudicar as interações dela com adultos e outras crianças”, explica Bianca Queiroga, que recomenda pecar pelo excesso. Assim, se os pais estão desconfiados de que há algum atraso na linguagem, a ida a um especialista não deve ficar para depois.