Há um ano, Irina Bruscky, arquiteta pernambucana residente em Paris, teve um almoço com amigas de uma amiga. Ao saber que a senhora em sua mesa era uma curadora de trajetória internacional, comentou, prosaicamente: “Tenho um tio no Recife que é um grande artista”. A especialista desdenhou: “Mais uma com artista na família!”. Ao receber, logo depois, um livro com a obra do tal parente, seu interesse, contudo, moveu-se em 180°. Aquele almoço, de fato, não foi nada prosaico: agora, a francesa Christine Marcel confirma Paulo Bruscky como um dos cinco únicos brasileiros convidados para participar da próxima Bienal Internacional de Arte de Veneza.
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“Há um ano, eu recebi o convite. Mas não podia comentar nada”, diz Bruscky, no Recife, onde mora e de onde sai com certa freqüência para abrir exposições ou realizar performances em algumas das instituições com poder de respaldar em escala ocidental sua arte pouco convencional produzida na capital pernambucana. Há obras de Brusky no MoMa, de Nova Iorque, e em prédios do Guggenheim pelo mundo.
O livro que fez a curadora escolher Paulo Bruscky para a antiquíssima Bienal de Veneza, criada ainda em 1895, já dominada pelo antigo governo fascista e, desde a segunda metade do século 20, espécie de cartório onde as novas estéticas renovadoras da arte obtêm certidão definitiva foi o Poesis Bruscky.
O livro que cobre décadas da trajetória do artista que usou arte postal, colagens, poesia visual e intervenções em jornais com um humor acidamente crítico para incomodar a última ditadura militar brasileira, publicado com um importante comentário crítico de Adolfo Medeiros Navas, capturou a atenção da curadora. Depois que ela recebeu um exemplar de PoesiaViva, editado pela recém-falida Cosac y Naif, a atenção virou entusiasmo profissional. “Aí, ela viu que não era apenas mais um artista”, brinca Bruscky.
O livro apresenta a obra do artista como ator fundamental do Poema/Processo e Poesia Práxis, movimentos que ele integrou, com a palavra potencializada como elemento de comunicação visual. O livro acabou por influenciar o próprio tema da Bienal. “O tema da Bienal é uma alusão ao meu livro Viva Poesia Viva, que é sobre a poesia visual. Mandei esse livro para ela”, diz ele, feliz, mas sem vaidades excessivas pelo convite. Viva Arte Viva é o mote da 57ª edição de Veneza, com abertura marcada para 13 de maio.
RECONHECIMENTO
“É claro que é importantíssimo estar numa bienal como a de Veneza. Seu trabalho tem um alcance muito grande, mas isso não muda em nada a minha vida. Continuo aqui no Recife fazendo minhas coisas, tudo é uma consequência de outra”, diz ele, um dos artistas responsáveis por trazer a performance como expressão das artes para o campo das grandes instituições. “Gosto muito do contato com o público”, diz Bruscky, cuja obra pode ser vista atualmente numa grande retrospectiva no Recife.
Até o dia 12 de fevereiro, cinco décadas da trajetória do homem que fez a arte ser contemporânea antes mesmo que ela assumisse o nome podem ser vistas, aliás, em duzentas obras na exposição PaLarva – Poesia Visual e Sonora de Paulo Bruscky – uma coletânea de experimentos e suportes como poemas visuais e sonoros, performances registradas, documentos, objetos poetizados, cartas e fotos documentais. A mostra está em cartaz na Caixa Cultural do Recife. Mais recentemente, no Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães, Bruscky foi também alvo da exposição História da Poesia Visual Brasileira.
Em Veneza, Bruscky também terá registrada sua performance: vários caixotes, de tamanhos e formatos diversos, serão conduzidos pelas gôndolas de Veneza até o prédio da Bienal. Sobre os objetos, estarão impressas frases como Arte se embala com o que se quiser. “Vou receber os caixotes e montá-los de forma aleatória”, diz ele, com outra grande agenda internacional para 2017. No final do ano, o Centro Georges Pompidou, em Paris, expõe uma retrospectiva da obra de Paulo Bruscky. Não no andar das novidades, mas no pavimento reservado aos consagrados.
“A arte ainda tem a capacidade de provocar, pelo menos, reflexões”, diz o Paulo Bruscky que, de subversivo e fora do eixo, desde que estreou, nos 1970, é aplaudido com voracidade pelas grandes instituições da arte no Ocidente.