Frida Kahlo já usava longas saias: mais que moda ou afirmação identitária, uma estratégia de camuflar uma das pernas mais curta que a outra devido à poliomielite contraída aos seis anos de idade. Aos 18, Madalena Carmen Frida Kahlo (1907-1954) teve a coluna atravessada pelo cano metálico de um ônibus quando o veículo se chocou contra um bonde. Com três vértebras quebradas, precisou adaptar um cavalete à sua cama para pintar alguns dos principais quadros que fariam dela, efetivamente, a maior pintora mexicana. Cenas íntimas e raras, pelo menos no Brasil, da mulher que, traumatizada, assinaria telas cujos títulos têm a potência da síntese (A Cama Voadora, de 1932, e A Coluna Quebrada, de 1944, seriam alguns deles) podem ser vistas no Museu do Estado de Pernambuco a partir de hoje.
Com abertura para convidados, hoje, e amanhã, para o público em geral, entra em cartaz a exposição Frida e Diego: um sorriso no final do caminho. Inédita no Brasil, viabilizada pela parceria entre o Governo do México, através do Consulado-Geral do México no Rio de Janeiro, e o Governo do Estado de Pernambuco, por meio da Secretaria de Cultura/Fundarpe, a mostra reúne 96 imagens da vida privada do casal de artistas Frida Kahlo e Diego Rivera, duas das personalidades mais complexas, icônicas e fantasiosas do século 20 que, mais que escrever um capítulo importante da arte no continente no México (Rivera segue sendo a grande referência do muralismo latino-americano), imprimiram mesmo parte importante do imaginário mexicano moderno.
Numa das imagens, datada de 1952, Frida aparece pintando deitada, sob a tela presa à cama numa espécie de retábulo sobre sua cabeça. Não foram poucas as vezes em que ela precisou pintar deitada. Ao longo da vida, Frida passaria por mais de trinta cirurgias. Noutra foto, do mesmo ano, ela recebe um beijo de Rivera com o dorso sem roupa. Sem roupa, mas coberto: ao redor do tórax da pintora, estava o corselet de gesso que tantas vezes ela precisou usar para imobilizar a vertebral. Sobre a brancura do gesso, estava desenhando, em vermelho, o símbolo do partido comunista mexicano. “É muito interessante, a mostra, porque aqui podemos ver em imagens muito próximas aquilo que normalmente só lemos nos livros”, comenta o artista Márcio Almeida, coordenador e curador da mostra. As fotos estão em papel fotográfico sobre acrílico. “Optamos por ampliações menores para poder reunir o maior número de imagens”, pontua Almeida.
Rivera e Frida tiveram 25 anos de uma controversa convivência. Do casamento, em 1929, até a morte da pintora, em 1954. Numa das fotos, Diego aparece beijando o rosto morto de Frida no caixão. Apesar da relativa liberalidade com a mulher - ele respeitava sua bissexualidade, permitindo que ela tivesse casos fortuitos “apenas” com mulheres”, em várias fotos Diego posa patriarcalmente ao lado da esposa. Não apenas por gosto pessoal, mas também para atender à militância identitária do marido, Frida reforçava o investimento no figurino mais tradicional mexicano.
Nas imagens, estão o trabalho nos ateliês; as viagens e estadas nos Estados Unidos; encontros com personalidades como Leon Trotsky (com quem Frida teve um proverbial romance) e André Breton; a relação com artistas do México; além das últimas fotos deles juntos. As imagens, na maioria, foram registradas por amigos próximos do casal. É, portanto, um conjunto de fotos relativamente íntimas. “Essas imagens tanto mostram o aspecto mais privado da vida dos artistas, como também o contexto social em que eles viveram”, pontua Almeida.
Frida e Diego: um sorriso no final do caminho. Até 19 de novembro. No Museu do Estado de Pernambuco (Mepe): Av. Rui Barbosa, 960, Graças. Das 10h às 17h; sábado e domingo, das 14h às 17h. Ingressos: R$ 6 (inteira) e R$ 3 (meia-entrada).