Carlos Ranulpho celebra 50 anos de sua galeria com exposição

Marchand apresenta seis quatros de Vicente do Rego Monteiro
Márcio Bastos
Publicado em 22/05/2018 às 15:40
Marchand apresenta seis quatros de Vicente do Rego Monteiro Foto: Bobby Fabisak/JC Imagem


Aos 89 anos, completados no final de abril, Carlos Ranulpho ainda cumpre o ritual de comparecer quase diariamente à galeria que leva seu nome, na Rua do Bom Jesus, no coração do Bairro do Recife. Comerciante por natureza, ele foi um dos principais responsáveis por criar um comércio de arte profissional em Pernambuco, promovendo talentos locais e nacionais ao longo das últimas cinco décadas. Para comemorar essa trajetória de sucesso, o marchand abre terça-feira (22), às 19h, uma exposição minimalista, mas que diz muito sobre os 50 anos da Galeria Ranulpho, reunindo obras de Vicente do Rego Monteiro.

Intitulada Vicente em Seis Atos, a exposição reúne seis telas do artista pernambucano, precursor de muitas ideias que culminaram na Semana de Arte Moderna de 1922, um marco nas artes plásticas no país, da qual foi também um dos participantes. As pinturas foram produzidas na década de 1960, última década de vida do artista, que faleceu em junho de 1970.

É também o período em que Ranulpho estabeleceu a relação de amizade e comercial com Vicente. Após um longo período longe do Recife, o artista plástico estava de volta à capital pernambucana, em 1968, onde residia em um apartamento modesto no Edifício Holiday, em Boa Viagem. Ranulpho, determinado a fazer uma exposição com obras do mestre, foi até a sua casa-ateliê.

“Ele não estava em casa, então deixei um cartão embaixo da porta. Eu ainda era um marchand com poucos anos de trabalho, mas arrisquei. Pouco tempo depois, ele entrou em contato comigo. ‘O que é que o senhor quer comigo?’, me perguntou. Disse que queria montar uma exposição com obras dele, na minha galeria no Edifício Tereza Cristina, próximo à Rua da Aurora, mas ele foi reticente, dizendo que não acreditava que havia mercado de arte em Pernambuco”, lembra o marchand.

Ranulpho, no entanto, insistiu, dizendo que poderia provar o contrário. Ouviu de Vicente do Rego Monteiro que ele não consignava telas e rebateu dizendo que queria, na verdade, comprar os trabalhos. “Ele não quis me vender porque falar que não gostava de dar prejuízo a ninguém”, conta, sorridente.

O talento do marchand para o comércio e sua cada vez mais conhecida seriedade nos negócios acabaram vencendo a resistência do artista. Antes mesmo da exposição, os três primeiros quadros entregues por Vicente já tinham sido vendidos. O sucesso foi tão grande que até desenhos, que não costumavam ter grande valor comercial, foram adquiridos por nomes da sociedade ávidos por possuir um trabalho dele. A surpresa do pintor foi grande e acabou estimulando-o a produzir com ainda mais afinco. A relação de amizade com Ranulpho também florescia: aos sábados, o mestre costumava almoçar com a família do galerista.

“Vicente era uma figura muito simpática e sua obra estava começando a ser redescoberta. Pouco depois do sucesso na minha galeria, ele foi chamado para expor no Rio de Janeiro, onde também foi aclamado. Já estávamos preparando uma nova mostra, em 1969, quando ele faleceu. Lembro que na noite anterior à sua morte, falei que ele não deveria se extenuar no trabalho, que deveria se cuidar”, recorda.

Desde que Vicente do Rego Monteiro faleceu, Ranulpho tomou como uma das missões de sua vida preservar e divulgar a obra do amigo. Além de exposições periódicas, ele também bancou obras como o livro assinado por Jabob Linktowitz sobre a produção do artista na década de 1960, período que o marchand considera pouco valorizado e estudado no cenário nacional.

A GALERIA

Comerciante de joias por mais de 20 anos, Carlos Ranulpho percebeu a falta de um mercado de arte em Pernambuco e se lançou para preencher este vazio. Utilizou sua expertise para trazer ao Recife trabalhos de artistas reconhecidos nacionalmente, como Aldemir Martins, Scliar, Teruz e Farnese, além de abrir espaço para novos talentos.

Além da primeira unidade, na Boa Vista, a Galeria Ranulpho já ocupou espaços na Rua dos Navegantes, em Boa Viagem (década de 1970), teve uma filial em São Paulo, no bairro dos Jardins, e desde 2001 está sediada em um prédio histórico na Rua do Bom Jesus.

“Sou um dos mais antigos marchands em atividade no Brasil. Pela galeria, já passaram tantos artistas e tive o privilégio de acompanhar muito da produção pernambucana e brasileira de perto. Isto é um privilégio”, celebra Ranulpho.
Para o jornalista Marcelo Pereira, editor deste JC+ e biógrafo de Ranulpho, uma das características mais marcantes do galerista é sua persistência.

“Ranulpho acreditou na possibilidade de profissionalizar o mercado de arte em Pernambuco, trazendo para cá nomes consagrados do modernismo brasileiro. Ele tem um papel fundamental no resgate da obra de Vicente do Rego Monteiro, além de ter lançado e divulgado tantos outros, como Wellington Virgolino, que tinha exclusividade com a galeria, e ficou nacionalmente conhecido graças aos esforços de Ranulpho”, afirma.

Marcelo é autor do livro O Mercador da Beleza – “Sim, fiz do comércio a minha vida”, que integra a coleção Memória, da Cepe Editora e aborda a vida de Carlos Ranulpho, mas também faz uma catalogação minuciosa da história da galeria. O livro, que tem prefácio da professora e artista plástica Bete Gouveia, além de depoimento do crítico Jacob Klintowitz, tem lançamento previsto para agosto.

“Outro aspecto muito importante da carreira de Ranulpho é que ele não se limitou à pintura moderna e valorizou muito a cultura popular, dando destaque a nomes como J Borges, investiu em artistas naïfs, como Alcides Santos. Ranulpho sempre arriscou: largou uma carreira consolidada como joalheiro para investir em um mercado novo. Ao longo de cinco décadas, se manteve ativo, publicou, através da Editora Guariba, livros de arte e atuou não como mecenas, mas como comerciante, que comprava as obras e criou um acervo generoso. Todos os grandes artistas pernambucanos, como Francisco Brennand, Tereza Costa Rego, Zé Cláudio, Lula Cardoso Ayres, entre outros, passaram, em maior ou menor intensidade, pela Galeria Ranulpho”, enfatiza.

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