Pelas paredes dos diferentes endereços pelos quais a Galeria Ranulpho passou desde sua fundação circularam nomes fundamentais da arte brasileira e pernambucana. Vicente do Rego Monteiro, Lula Cardoso Ayres, Wellington Virgolino e João Câmaras foram alguns deles e quadros desses mestres, além de outros expoentes, compõem a exposição Uma História de Arte, com abertura hoje, às 19h, em comemoração aos 50 anos da galeria. Na ocasião, também será lançado o livro Carlos Ranulpho – o Mercador de Beleza (Cepe Editora, 247 páginas, R$ 80), do escritor e jornalista Marcelo Pereira.
Filho do cartunista J. Ranulpho, célebre nas primeiras décadas do século 20 por seu trabalho na imprensa recifense, Carlos não demonstrou interesse por dar continuidade à profissão do pai. Mas, desde cedo já revelava outra aptidão: o comércio. Começou como prestamista, enveredou pelo ramo das joias e, sagaz e ousado, desbravou um mercado até então inexistente em Pernambuco: o da arte.
“Quando comecei, não havia a figura do marchad aqui. Era tudo muito informal. Ao longo desses 50 anos, tive a oportunidade de travar relações com alguns dos grandes artistas do País, alguns dos quais lancei e promovi”, afirma Ranulpho, que aos 89 anos continua a ir diariamente à galeria.
Para comemorar meio século de atividades, ele decidiu procurar no seus acervo pessoal e no da galeria (além de algumas consignações) os artistas que se mostraram intrinsecamente ligados à sua trajetória. O processo de garimpagem terminou por oferecer um panorama diversificado, revelando outras facetas de alguns desses criadores.
É o caso de Lula Cardoso Ayres (1910 – 1987), que aparece na exposição com quatro obras, cada uma representando uma fase temática de sua pintura: o estudo dos portões de ferro de Pernambuco, os engenhos de açúcar, cenário de sua infância; retratos dos ceramistas e registros do maracatu.
Vicente do Rego Monteiro, um dos expoentes do Modernismo, aparece com dois quadros que ressaltam sua maestria com formas geométricas e o interesse pela natureza e pelo povo brasileiro. O pernambucano, inclusive, ocupa um lugar de destaque na caminhada de Ranulpho, pois o marchand foi responsável por divulgar e perpetuar a fase final da obra do multiartista, nos anos 1960, e até hoje se dedica a perpetuar seu legado, tornando-se uma espécie de tutor da obra de Vicente.
Wellington Virgolino, que tinha contrato de exclusividade com o marchand, aparece com suas representações lúdicas e cores fortes que remetem ao clima tropical de Pernambuco, aparece em três momentos, com os quadros Meninos Voando Com Corrupios (1967), Jovem Pintora Equilibra Faca (1977) e Mocinhas na Janela (1978).
Outro destaque é um quadro de Aldemir Martins, outro artista marcante para o empreendedor. Foi uma exposição de obras do cearense, em 24 de julho de 1968, que abriu os olhos de Ranulpho para a necessidade de criar um mercado para a arte. A tela enfatiza um dos temas preferidos de Aldemir, os galos, representado com pinceladas em cores primárias.
“A exposição de Aldemir Martins me fez refletir que no Recife não existia nenhuma galeria de arte e molduraria profissional. Como sempre gostei de desafios, comecei a pensar num projeto de novas exposições daquele porte”, conta em uma passagem de sua biografia.
Do Juarez Machado, está em exibição a tela intitulada Férias no Atelier, que revela o ambiente criativo do pintor catarinense. Do goiano Siron Franco, foi selecionada uma tela representando o apóstolo São João.
Duas obras de grande porte (cerca de 170x120 cm) do paraibano João Câmara também chamam a atenção do visitante, logo na entrada da exposição. O artista aparece ainda com uma tela de 1970.
Entre as raridades destacadas por Ranulpho estão um quadro da primeira fase do pintor naïf Alcides Santos e uma escultura em madeira cedro maciça de 190 cm de Mestre Dezinho, que destaca o trabalho do marchand com a arte popular. Reynaldo Fonseca também aparece com dois trabalhos.
Parte da coleção Memória, da Cepe Editora, o livro Carlos Ranulpho, o Mercador de Beleza, acompanha a trajetória do comerciante desde a infância, ajudando o leitor a compreender o espírito empreendedor que fez com que ele desbravasse um novo mercado. Marcelo Pereira ressalta que o livro é uma reportagem biográfica pois adentra menos na intimidade do pernambucano e se dedica mais a um resgate histórico de sua carreira e do contexto em que se desenvolveu.
“Acho que o título resume bem [a trajetória dele]. É uma pessoa que se dedicou firmemente a profissionalizar o mercado de arte, a tornar arte um investimento para as pessoas e, ao mesmo tempo, beneficia o artista, que vende sua obra pelas mãos de uma pessoa idônea. No outro extremo, está o comprador que vai ter nas mãos um objeto de valor e beleza. Ele é um intermediador que facilita isso de uma forma muito honesta. É uma lição que Ranulpho nos deixa ao longo desses 50 anos”, enfatiza.