Quando Tom Ford anunciou que ia dirigir Direito de Amar, muitos críticos se anteciparam. Só poderia ser uma excentricidade do estilista. Colin Firth foi indicado para o Oscar - e só mesmo a Academia para lhe negar o prêmio pelo papel de gay e dar no ano seguinte pelo monarca gago de O Discurso do Rei, de outro Tom, o Hooper. Colin Firth é magnífico em Direito de Amar, expressando com economia o luto do homossexual que perde o companheiro, mas alguns críticos não se deram por vencidos. Denunciaram firulas visuais que seriam sintoma de presunção intelectual.
Passaram-se sete anos, Tom Ford volta à direção. Mais maduro, mais autoral - em Animais Noturnos. Há expectativa de que o filme vá para o Oscar. Em quais categorias? Poderia ir em todas, e por duas os demais concorrentes poderiam ser dispensados antecipadamente. Laura Linney e Michael Sannon são imbatíveis como melhor atriz e melhor ator coadjuvantes, resta saber se a Academia e seus votantes vão perceber isso. Laura deve ter, quantos?, cinco minutos em cena. Faz a mãe de Amy Adams e as duas têm um breve encontro no qual afloram velhas tensões. Tudo o que a personagem de Amy - Susan - não quer é se assemelhar à mãe. A mãe toca na ferida. Todas as filhas terminam por se assemelhar às mães.
Os cinco minutos de Laura Linney em Animais Noturnos - uma milionária conservadora e sem papas na língua, e Laura também faz a mulher do piloto de Sully, de Clint Eastwood - passam a ser obrigatórios em qualquer curso ou método de interpretação. Mas o filme todo é fascinante. Possui "camadas". Começa com uma performance de obesas numa galeria de Los Angeles. Susan é galerista. Circula nesse meio sofisticado. O começo já introduz uma nota dissonante. Esse fascínio de pessoas chiquérrimas pelo grotesco já diz alguma coisa sobre a sociedade em que vivemos, ou não?
Susan/Amy é casada com Armie Hammer. O casamento já acabou. Na galeria, a mulher do concorrente fala das vantagens de ser casada com um marido gay - uma piadinha de Tom Ford. Nesta noite, Susan recebe um livro a ela dedicado, e escrito pelo ex-marido, Jake Gyllenhaal. Um casal na estrada com a filha, o carro é abordado por estranhos que submetem o trio a uma escalada de violência. Até que ponto a história é real? Entra em cena, na ficção dentro do filme, o policial Michael Shannon, num personagem terminal. O grotesco, a violência deixam de ser performances, tornam-se reais. E ainda tem uma terceira linha narrativa. O filme é brilhantemente escrito, realizado, interpretado. Amy Adams é um escândalo. Nunca esteve tão bem-vestida, maquiada. E tudo isso, mais o extraordinário talento.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.