Quando um cineasta começa a dirigir filmes em demasia, a crítica olha de cara feia e começa a escolher, entre um e outro, aqueles que parecem mais fracos – como se eles fossem filhos indesejados ou prematuros. Isso é uma verdade para muitos diretores, mas não para todos. E pelo menos para um, o coreano Hong SangSoo, essa é uma ideia que não deve ser nem posta em evidência.
Dirigir de dois a três filmes por ano, para ele, não faz com que seu cinema seja visto como excessivo ou mesmo desnecessário.
Basta ver esse sublime e melancólico Na Praia à Noite Sozinha, que ele mostrou no início do ano, no Festival de Berlim, onde sua descoberta Kim Minhee acabou ganhando o Urso de Prata de Melhor Atriz. Na Praia à Noite Sozinha é o 20º longa-metragem de Sang-soo e estreia nesta quinta-feira (12/10) no Cinema da Fundação/Museu, em Casa Forte.
No ano passado, no Festival de Cannes, Kim Minhee já havia deixado o público extasiado com sua interpretação em A Criada, de Park Chan-wook. E, em maio último, novamente em Cannes, ela e Sang-soo estiveram com dois novos longas: O Dia Depois, na Seleção Oficial, e A Câmera de Claire, fora da competição.
Quarto encontro entre eles – o primeiro foi Certo Agora, Errado Antes, de 2015 –, Na Praia à Noite Sozinha pode ser considerado um dos grandes filmes do diretor, com lugar garantido num Top 5. Talvez sem Kim Minhee o filme não chegasse a esse lugar, porque é a presença dela, como atriz e não só pelo personagem, que faz do filme uma espécie de obra coletiva. Inclusive, foi na sua primeira apresentação, na Coreia, que Sang-Soo falou abertamente do relacionamento entre ele e Min-hee, que estava em segredo em virtude de ele ainda estar casado.
Os laivos do estranhamento causados por uma relação amorosa às escondidas é o motor da primeira parte de Na Praia à Noite Sozinha. É na Alemanha, onde está vivendo, que a atriz Younghee (Minhee) espera por um namorado que não aparece, enquanto ela conversa com uma amiga. O primeiro traço da personalidade dela é a sinceridade, ainda mais extravasada quando toma umas doses a mais de soju – conhecida com a bebida destilada mais vendida do mundo. Aparentemente, nada acontece nos filmes de Hong Sangsoo, embora muita gente encha a cara e jogue conversa fora.
Neste filme, menos estilizado que a maioria de sua obra – muitos rodados em preto e branco –, o cineasta parece em estado de graça ao lado de sua musa. Na sua segunda parte, o longa consegue ser ainda mais expressivo, com a volta de Minhee à Coreia e no encontro com alguns amigos numa pequena cidade litorânea. Andando pela praia, ela termina deitando na areia até adormecer, quando é resgatada por alguns membros de uma equipe de cinema.
Como acontece em todos os filmes de Hong Sangsoo, os personagens acabam sempre se encontrando em torno de uma mesa de bar. É nessa mesa que Minhee e o diretor, um homem mais velho do que ela e ainda apaixonado, voltam a se encontrar, com direito a choro, cachaça e uma possível ressaca no dia seguinte.