40 anos sem Charles Chaplin: Artistas comentam legado do britânico

Ingrid Guimarães, Renato Aragão, Gregório Duvivier, Fábio Porchat e Jarbas Homem de Mello destacam pontos da obra do artista
Estadão Conteúdo
Publicado em 25/12/2017 às 17:00
Ingrid Guimarães, Renato Aragão, Gregório Duvivier, Fábio Porchat e Jarbas Homem de Mello destacam pontos da obra do artista Foto: Reprodução


Completam-se, neste Natal, 40 anos da morte de Charles Chaplin. Ele morreu em 25 de dezembro de 1977 e, quase sem exceção, todos os obituários destacaram a importância da data. Claro, ninguém escolhe o dia em que vai morrer, mas faz todo sentido que Chaplin, criador de um personagem imortal - Carlitos -, tenha se despedido justamente no dia em que a cristandade festeja o nascimento de Jesus Cristo. Jesus é amor, proclamam os cristãos. Seu nascimento é signo de esperança - o Messias que os judeus não reconhecem e ainda esperam.

Carlitos tinha/tem tudo a ver com esse espírito de humanidade e fraternidade. Vagabundo, sapatos rotos, chapéu e bengala, ele se equilibra sobre os próprios passos, sempre enfrentando o poder, em todas as suas formas. O policial, o capitalista são seus arqui-inimigos. Sem um níquel, Carlitos comeu os cadarços do seu sapato, como se fossem fios de espaguete, para matar a fome (Em Busca do Ouro), protegeu o menino órfão (O Garoto), devolveu a visão à garota cega (Luzes da Cidade), enfrentou a automação (Tempos Modernos). Chaplin, agora não é mais Carlitos, foi um dos construtores da linguagem, fazendo avançar as técnicas de narração cinematográfica. A questão é: na lembrança desses 40 anos, qual é o legado de Chaplin?

 

Ingrid Guimarães, uma das atrizes mais conhecidas de cinema e TV do Brasil, recordista de público com sua série De Pernas pro Ar - na quinta-feira (28/12), ela estreia Fala Sério, Mãe, o tem em altíssima conta. "Chaplin é a minha maior referência de humor. Sou louca por ele. Tenho todos os seus filmes. Essa mistura poética entre humor e emoção é tudo o que almejo. Esse vagabundo desastrado, genial, atemporal. Meu favorito é O Garoto. Choro todas as vezes em que eles se reencontram". 

Na contracorrente, Fábio Porchat, igualmente conhecido do cinema, TV e internet, emite uma opinião que pode ser polêmica. "O humor pode ser cruel, porque envelhece muito rápido, e o Chaplin envelheceu. Não creio que o jovem de hoje tenha o mesmo interesse por ele. É importante, a resistência dele em O Grande Ditador, o discurso final, mas é meio peça de museu. Representa outra época".

E Renato Aragão, o Didi, a alma dos Trapalhões? "(Chaplin) É uma das minhas maiores referências, ao lado de Oscarito e Carmem Miranda. Com ele, passei a olhar a melhor maneira de se usar o corpo com graça, mas sem exagero. E poucos conseguem fazer chorar da mesma forma, com o mesmo gestual".

Jarbas Homem de Mello, que estudou muito a obra e a vida de Chaplin para fazer o musical de 2015, reflete: "Ele foi um gênio do seu tempo, porque encontrou sua arte num momento oportuno, quando o cinema estava se criando. A partir daí, Chaplin foi fundo, ao colocar em seu personagem, Carlitos, todas as nuances do ser humano e deixando para os artistas que viriam depois um legado - saber como desvendar e colocar em sua interpretação o lado bom e o lado mau".

O artista e seu tempo

Jarbas toca num ponto essencial - o artista e seu tempo. Charles Spencer Chaplin nasceu em Londres, em 16 de abril de 1889. Os pais eram artistas de music hall e se separaram quando ele tinha 3 anos. O pai era alcoólatra e morreu de cirrose quando Chaplin tinha 12 anos. Foi enterrado numa vala comum. A mãe era cantora, mas sofria de problemas mentais. Teve diversas internações. Numa delas, uma infecção de laringe impediu-a de cantar. Foi o fim. Face a tanta adversidade, o pequeno Chaplin foi guerreiro. Perseverou. De 1910 a 12, participou de uma primeira turnê pela América, integrando a trupe de Fred Karno. Regressou à Inglaterra e, de novo em 1912, e outra vez com Karno, voltou aos EUA. 

Da trupe, participava um certo Arthur Stanley Jefferson, que mais tarde ficou famoso como Stan Laurel, formando dupla com Oliver Hardy - O Gordo e o Magro. Em 1913, Mack Sennett impressionou-se com o número de Chaplin e o contratou para sua companhia, a Keystone. Foi um desastre, e o próprio Chaplin convenceu-se de que não levava jeito para o cinema. Salvou-o Mabel Normand, que não apenas percebeu o potencial do jovem Charles, como convenceu Sennett a dar-lhe outra chance.

Chaplin odiava ser dirigido por Mabel, mas com ela adquiriu popularidade. Na Keystone, criou e aprimorou seu personagem de "vagabundo". Charlot, na França, Carlitos no Brasil (e na Argentina), der Vagabunbd, na Alemanha. 

O gênio de Chaplin foi perceber que podia usar o movimento acelerado na imagem, quando o filme era projetado a 18 quadros por segundo, no período silencioso, para obter um efeito cômico. Tudo parecia correr na tela, os carros, na era anterior à massificação, eram bichos domésticos. Quando o cinema começou a falar, e os filmes passaram a ser projetados a 24 quadros por segundo, Chaplin resistiu quanto pôde. Luzes da Cidade tem partitura, mas os diálogos seguem de cartela. Em Tempos Modernos, Chaplin incorpora o som, mas ainda é um diálogo absurdo, que não faz sentido (e vira, em si mesmo, um efeito cômico). Finalmente, em O Grande Ditador, ele incorpora a palavra, e o discurso final do barbeiro é uma síntese do credo humanista de Chaplin. A palavra contra o autoritarismo.

Como diz Jarbas Homem de Mello, Chaplin foi dos últimos cineastas, daquele tempo, a acreditar no cinema falado. "Quando o fez, valorizou a palavra mais que qualquer outro. Nenhuma palavra é gratuita em seu cinema. A valorização da palavra e do silêncio é uma das grandes contribuições de Chaplin".

Luís Lobianco, que fez seu aprendizado na internet e no stand-up, conta que Chaplin talvez seja sua experiência mais antiga de cinema. Quem lhe apresentou Carlitos foi sua avó. "Naquela época, eu tinha um olhar, uma compreensão. O Garoto foi uma revelação, permanece meu favorito. Hoje, já adulto, maduro - espero -, vejo Chaplin como uma inspiração para a minha geração porque ele, como todos nós, foi autoral e usou as ferramentas do cinema e do humor para refletir sobre o homem no mundo, a injustiça. Que sua reflexão ainda permaneça atual é prova de quão pouco, no fundo, as coisas mudaram". 

Ou, então, é a máxima viscontiana do Príncipe Salinas em O Leopardo: "As coisas mudam (precisam mudar) para que tudo permaneça o mesmo".

Gregório Duvivier destaca a força desse Chaplin 'pensador". Ele não pensava apenas o homem e o mundo. Pensava o fazer cinema. Duvivier é capaz de ficar horas falando do seu Chaplin - o de Luzes da Cidade. "Conta que ele ficou muito tempo empacado, com o filme parado, porque não conseguia resolver o impasse. A questão é que a garota é cega e, quando Carlitos a toma sob sua proteção, ela pensa que é milionário. Quando recupera a visão e descobre que é um vagabundo, a decepção é grande - para ambos. Chaplin quebrou a cabeça até ter a ideia do som. É o som da porta de um carro batendo que cria, no imaginário da mulher, a ideia do Carlitos rico. Em 1931, ele já usava o som para contar sua história e fazer avançar a linguagem." 

Foi um dos diretores fundadores e, influenciado por seus mestres Max Linder, Georges Méliès, D. W. Griffith e Luis e Auguste Lumière, desenvolveu uma linguagem própria muito rica, que também incorporou mímica, pantomima e pastelão.

Pensar o cinema, e a sociedade. A obra de Chaplin atravessou as duas grandes guerras, e ele zombou dos ditadores. "Embora Luzes da Cidade seja meu preferido, creio que O Grande Ditador é outra obra-prima. Ali, no calor da hora, ele se permitiu ser duro, e crítico, com (Benito) Mussolini e (Adolph) Hitler. E o mais extraordinário é que aquele discurso final, escrito e filmado em 1940, há 77 anos, é uma peça da maior atualidade. Vale para hoje", acredita Duvivier. 

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Essa atualidade, produto do comprometimento, fez com que, por volta de 1950, em plena era do macarthismo, Chaplin fosse considerado esquerdista e antiamericano. J. Edgar Hoover o considerava um inimigo pessoal e instruiu o FBI a criar um dossiê secreto sobre Chaplin, a quem sonhava banir dos EUA. Em 1952, foi para o exterior. Exilou-se com a família - havia se casado com Oona O’Neill, filha do escritor Eugene O’Neill - na Suíça, e lá morreu. Voltou, em 1972, para receber um Oscar honorário. Tardiamente, a Academia fez-lhe justiça, aplaudindo-o de pé. Nos 40 anos de sua morte, a obra de Chaplin segue viva. E é necessária, nos tempos obscuros que vivemos.

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