Zumbis

Crítica: 'Black Summer' é apenas horror

A série, que conta a história de sobreviventes em um apocalipse zumbi, entrou neste mês no catálogo da Netflix

João Rêgo
Cadastrado por
João Rêgo
Publicado em 29/04/2019 às 12:59
Netflix/Divulgação
A série, que conta a história de sobreviventes em um apocalipse zumbi, entrou neste mês no catálogo da Netflix - FOTO: Netflix/Divulgação
Leitura:

Junto ao sucesso de Corra! e do recente Nós, ambos de Jordan Peele, nasceu uma tendência de apontar, e exigir, certos subtextos mais políticos e críticos em obras do gênero horror. Como se essa criticidade não estivesse presente em produções anteriores ou até mais atuais, sendo inaugurada há pouco tempo. Surgiu a partir de então o que se acostumou denominar de “pós-horror”, uma suposta elevação do gênero - que já estaria com suas muletas desgastadas de tanto que alguns filmes as teriam usado.

A tendência abarcou uma heterogeneidade de obras recentes. As que recusam um enfrentamento mais gráfico que o gênero costuma propor, concebendo o terror pela sugestão: Boa Noite, Mamãe, A Bruxa, Demônio de Neon, por exemplo, e filmes que mesclam isso a camadas políticas, ora mais satíricas, ora mais diretas: As Boas Maneiras; Raw, além dos já citados de Jordan Peele.

O fato é que todo esse nominalismo parece ignorar a história do próprio cinema de gênero, seja ocidental ou oriental. Sangue, psicopatas, zumbis e fantasmas sempre foram pretextos para diretores como John Carpenter, George Romero, Tobe Hooper, Wes Craven e David Cronenberg criarem registros audiovisuais potentes sobre as épocas em que viviam. Isso sem falar que do outro lado do hemisfério, Uma Página de Loucura, de Teinosuke Kinugasa, estava sendo feito em 1926, ou Onibaba - A Mulher Demônio, falando sobre a guerra e suas ambiguidades morais, em 1964.

O terror foi e sempre será crítico, mesmo sem nunca ter obrigação de sê-lo. Independentemente do quão bobo pareça à primeira vista. Afinal, o exercício de apontar a câmera, o mais ficcional que possa ser, sempre produzirá um registro da realidade. Então imagine a significação que é apontá-la para conceber um estado de caos e perigo constante?

Black Summer é uma boa resposta. A nova série lançada pela Netflix no começo deste mês, não está no pós e nem no pré, ela é apenas horror. Suposto prequel de Z Nation, a obra de John Hyams e Karl Schaefer é sobre um apocalipse zumbi, e não quer - e nem precisa -, ser sobre algo mais.

Em tempos de hipersignificação política, que às vezes desemboca em um propagandismo raso, os diretores sabem que a única imagem possível é a da desolação. É assim que acompanhamos em oito episódios, um minimalismo dramático que sempre abre espaço ao gráfico de situações de tensão constante.

O lado cômico ou falatório que esse tipo de série costumou a se direcionar é deixado de lado. As palavras não precisam existir. A comunicação é feita apenas quando necessária para a sobrevivência. Uma das personagens principais, por exemplo, não fala a língua de nenhum de seus companheiros, e – para nós espectadores, nem as legendas ou dublagem se preocupam em traduzi-la.
É nesse caminho que a série segue um niilismo apocalíptico muito prolífico para o gênero. Tudo é pretexto para a tensão, dentro e fora do quadro. A própria concepção dos zumbis dialoga bem com a proposta. Os humanos se transformam nas criaturas segundos depois de morrerem, independente de serem mordidos ou não. O mundo e os personagens são obrigados a reagirem imediatamente a tudo.

Até porque é apenas isso que sobra. No extracampo, todas instituições estão ruindo, e quando invadem o plano são para criar adversidades. Propaganda antiestado, então? É impossível definir todo pretenso caráter “político” na construção do mundo proposto pelos diretores, afinal, ele surge muito mais como uma consequência, do que algo ontologicamente idealizado.

Personagens

A jornada dos personagens é outro ponto alto em Black Summer. O pouco se torna muito para figuras que não sabemos qualquer dado prévio. Os gestos, as ações, tudo é potencializado por um encenação esculpida pelos detalhes e reações. É através disso que entendemos - ou não-, características e personalidades de quem acompanhamos ao longo da série. A jornada de Rose, a “mãe”, é muito reveladora quanto a isso.

Claro que também não estamos falando de um Despertar dos Mortos, do mestre George Romero. A série tem suas falhas. Algumas caricaturas do gênero surgem, obviamente. O personagem Lance é um bom exemplo. Mas até nisso, o próprio universo obriga uma magnética decupagem de espaços bem claustrofóbica, principalmente em cenas que o ator é obrigado a fugir do mesmo zumbi durante vários episódios.

Últimas notícias