Desde a sua sinopse, Bacurau é um filme que evita fixar-se em um único núcleo de protagonismo. Antes da pré-estreia, a coletiva realizada na manhã deste sábado (24), em hotel localizado na orla de Boa Viagem, com parte do elenco, equipe técnica e os diretores Kléber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, traduziu bem isso. Sentados lado a lado, a ordem dos envolvidos no projeto não representava qualquer relação hierárquica. Cada fala, reação e respostas às perguntas somava-se a dimensão de interpretações acerca da obra, no mesmo grau de singularidade.
A locação foi o primeiro assunto tratado entre os entrevistados. Filmado no Sertão do Seridó, Rio Grande do Norte, a trama de Bacurau dialoga diretamente com o espaço em que se passa – tanto em termos práticos, como subjetivos. A exibição do filme em pré-estreia na quinta-feira (22), na cidade de Parelhas (onde foi gravado), talvez tenha sido o ápice dessas relações.
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“Quando a gente chegou lá, a cidade estava vivenciando tudo aquilo. Existiam caravanas, barracas; eles se prepararam para uma grande recepção. Inclusive, tinha uma pessoa que já estava fazendo um pacote turístico de Bacurau, para conhecer as locações”, contou a atriz Luciana Souza. Por outro caminho, Sônia Braga, protagonista em Aquarius, longa anterior de Kléber Mendonça, deu uma dimensão afetiva para essa relação. “Tem uma árvore na entrada da cidade, e como uma metáfora, eu sou essa árvore, que criou raízes e nunca saiu de lá”.
A projeção reuniu entre 2 a 3 mil pessoas, sentadas e em pé, segundo a conta de Kléber. Além da importância da fomentação cultural, o impacto de Bacurau também foi material. “Nesse processo, o governo e a prefeitura assumiram as melhorias que a gente pediu; de ter um olhar para aquele lugar, consertar a estrada, fazer uma praça, ter posto de saúde, escola” explica Sônia Braga, que vive a enigmática Dra. Domingas no longa.
CINEMA DE GÊNERO
Sem muitos “spoilers” sobre a trama, Bacurau é, sobretudo, um filme de gênero. Se em obras anteriores de Juliano e Kléber como O Som ao Redor (2012), Mens Sana In Corpore Sano (2011) ou Recife Frio (2009), a ficção científica, o horror e a ação, estavam presentes em maior ou menor grau, Bacurau é o mergulho completo nesse universo. “Esse desejo de fazer um filme de gênero, fantasia, ficção científica, leva tudo para uma escala maior. Diferente daquele realismo social no Brasil, que fica muito fechado no país. A presença, por exemplo, dos estrangeiros ajuda muito nisso”, explicou Juliano Dornelles.
Os subtextos mais críticos, característicos de obras dos diretores, continuam afiados. Mesmo com um roteiro com cerca de dez anos de desenvolvimento, as mensagens que circundam o filme possuem uma certa atemporalidade. “É um filme sobre a história. O Brasil costuma se repetir, principalmente os mesmos erros”, disse Juliano. “Feito alguém que tem amnésia”, emendou Kléber.
Vencedor do Prêmio do Júri no Festival de Cannes deste ano, Bacurau teve um bom circuito internacional, que inclui também uma exibição no prestigiado Festival de Nova York. A boa repercussão levantou possibilidades do filme representar o Brasil na disputa do Oscar. “É uma comissão autônoma que escolhe, eu espero, pela potência que ele tem, e pela possibilidade dele representar bem o Brasil”, opinou Juliano.